quinta-feira, março 23

É muita exclamação!

Há uma epidemia de exclamação no ar. Não costumava ser assim. Na televisão, nos alto-falantes, nos comícios, nas salas de aula e – o que é pior – até nos livros. (vejam que acabei de perder uma oportunidade de usar a exclamação com justa causa.)

A turma anda exaltada. Os pastores nas rádios vociferam contra Satanás. O torcedor berra contra o bandeirinha, o preço do ingresso, as substituições equivocadas do técnico. O motorista, além de gastar a buzina, pragueja contra a senhora que não percebeu que o sinal abriu. Até o atendimento eletrônico do banco, quando digitei errado a opção desejada, parece ter perdido a paciência e me pediu (mandou?) que digitasse novamente a senha – com uma exclamação.

O ponto de exclamação fala alto demais, quando não grita (dois seguidos, então, berram). Não respeita meditações, não quer saber de argumentos razoáveis. Prefere a certeza ao debate, torce pelo confronto em vez do diálogo. É o sinal perfeito dos nossos tempos, onde todos julgam ter razão e querem impor seu ponto de vista.


Numa crônica, ele é raro de se ver. Há uma razão para isso: o cronista é um avoado, um disperso, que apenas procura reportar os acontecimentos à sua volta. Ele não toma partido, não se envolve de verdade. Por exemplo: quando dizemos “pobre senhor”, em geral isso é seguido por um ponto ou uma vírgula. Nunca nos excedemos com um “pobre senhor!”, não sentimos tanta pena assim ou comiseração. Ou seja: o sujeito diz se emocionar com as ondas do mar, uma brisa, com o pouso de um passarinho de peito laranja, mas, diante do sofrimento humano, mostra-se indiferente. Uns canalhas, esses cronistas!

Eu pensava que a exclamação, como o ponto e vírgula, a trema e a gentileza estava à beira da extinção, respirava por aparelhos. Que vivera seu auge nos poemas parnasianos, nas narrações dos antigos locutores de futebol e nas ordens bradadas pelos oficiais. Mas aí deram para ressuscitar os militares em assuntos que não deviam ser de sua alçada, e deu nisso.

Já trabalhei como redator em agências de publicidade. Onde o uso de exclamação era proibido, vejam que contradição: justo os textos que deveriam louvar as qualidades de um carro, chamar a atenção para uma marca de detergente ou de uma sandália de dedo, evitavam as exclamações, a voz alta, o exagero (hoje, em dia, a gente precisa até abaixar o som quando entra algum comercial de varejo). Contradições do vernáculo – ou do capitalismo, sei lá.

Gente: se não for para acabar com o recurso de vez, vamos deixar a exclamação onde ela de fato se impõe: nos números anunciados nos bingos; nos bordões dos feirantes; nas broncas das mães nos filhos impossíveis; nas frases repetidas pelos papagaios, e nas coisas feias que a gente diz após bater com o dedinho no pé da cama.

Mas também não exageremos, simplesmente trocando a exclamação pelos três pontos da indecisão, da incerteza, das frases inacabadas. Seria de fato… não sei… algo assim… que nos levará a um lugar que, vou dizer…

Basta um tanto de ponderação. De paciência. Querer viver cercado de menos barulho e decisão. Ponhamos uma vírgula ou um discretíssimo ponto final. Com menos estardalhaço. Arregacemos as mangas, é tempo de recomeçar! Avante! Unidos seguiremos! Abaixo a exclamação!

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