terça-feira, julho 18

Extra! Extra! Abriram uma livraria!

Deveria ser notícia de primeira página, um repórter correndo à oficina para gritar “parem as máquinas!”, um pequeno jornaleiro berrando “extra! extra!”, mas vai aqui mesmo, modestamente, nesta janela que o jornal abre na última página para o leitor respirar alguma leveza. É o anúncio alvissareiro de que neste fim de semana foi inaugurada uma livraria no Rio de Janeiro.

Os telejornais que cuidam da cobertura da cidade apresentam diariamente a mesma pauta básica de um tiroteio pela manhã numa comunidade, uma bala disparada pela PM contra um inocente, uma fila em busca de atendimento nos hospitais, um ônibus do BRT trafegando sem as portas e um atraso de horas provocado pelo furto de cabos no leito dos trens. Mudam os repórteres e as delegacias, mas, como na música do Gil, as notícias que vejo, eu conheço, já sabia antes mesmo de ver. Elas passaram ontem, anteontem também. A cidade está doente.

Casa 11

Por isso seria necessário, no alto da página primeira, o registro de que um grupo de 54 médicos percebeu a carência de prateleiras com um remédio de alto poder curativo: livros. São pílulas de vida tão boas quanto as do jingle do Dr. Ross, podem curar o fígado e o que vai de triste na alma de todos nós. Desassossego? Tome Fernando Pessoa.

A Casa 11 fica em Laranjeiras, quase em frente ao Instituto Nacional de Cardiologia, onde trabalham alguns dos médicos-sócios-livreiros. Foi uma psicóloga quem teve a ideia depois de ver num muro o grafite “Menos drogaria, mais livraria”.

Se a palavra falada, como Freud sacou, ajudava a aliviar os sintomas de ansiedade e depressão, a psicóloga acredita em cura pela leitura. Contra os males do estresse urbano, dez sonetos de Drummond pela manhã; contra as dores da desesperança, use à noite os diários de Carolina Maria de Jesus.

Nenhum desses médicos tem qualquer objeção à penicilina, à morfina, ao corticoide e às vacinas, mas acham que é preciso um remédio contra a doença carioca da proliferação das drogarias. Fazer parte de uma sociedade dodói torna alguns insensíveis a fenômenos da patologia urbana, como o do quarteirão de Copacabana com cinco delas na mesma calçada. Será que não podiam abrir uma livraria para cada uma delas? Ninguém discute se Melhoral é melhor e não faz mal – mas que tal a maravilha terapêutica de um dia frio e um bom lugar para ler um livro?

Os médicos desse inesperado pronto-socorro receitam a medicina milenar da poesia, dos contos e dos romances. Acreditam estar ajudando, com cultura e os preços baratos de um sebo, na implantação de um tratamento, sem contraindicações, sem efeitos colaterais, para atacar as moléstias da cidade-paciente, sempre tão linda, mas, como mostram os telejornais, à beira de ser intubada numa UTI.

A inauguração da livraria Casa 11 é finalmente uma boa notícia em meio ao ciclone das drogarias, e seus médicos-livreiros estão prontos para aviar receituários de leitura. Para combater os sintomas da angústia e da solidão, aplique sem moderação, ao calor de um chá de hortelã, os versos de Ana Martins Marques. Se a vida em volta é só usura e alma seca, vá de Rubem Fonseca. Saúde é coisa séria. No lugar de gotas e comprimidos, páginas e mais páginas. Tudo vai mal? João Cabral.

 Joaquim Ferreira dos Santos

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