A literatura torna-nos fortes, quando, mergulhando-nos nos mais fundos abismos da condição humana, verificamos que, após tal mergulho, afinal, prevalecemos. Quando, com catorze ou quinze anos, verifiquei, pela pena do grande O’Neill, que a América triunfal e poderosa, se tornara herdeira dos grandes trágicos gregos e de um dilacerado Strindberg, percebi que atravessar tudo aquilo e continuar vivo era um milagre de força. Senti que valia a pena viver. O mesmo se passou com os grandes romances e novelas de Dostoiewsky. Fiodor Sologub iniciou-me, sem me destruir, nos mundos da loucura, por via do seu protagonista do perturbante romance O demônio mesquinho (na tradução portuguesa, A loucura de Peredonov). Sally Salminen deu-me a vida inteira, num belo romance arrumado em ilhas escandinavas. Hemingway deu-nos heróis e heroínas inesquecíveis, os horrores da guerra e da guerra civil e a invencível fragilidade que se aninha nos peitos mais fortes. Mas tentou “salvar-nos”, com uma singular promessa: o homem pode ser destruído, mas não vencido.
Ler os trágicos gregos, a seguir à morte do meu irmão, purgou-me e salvou-me, em vez de me destruir. A tragédia lava e redime.
Os grandes cómicos, Molière ou Wodehouse, encheram-me de sol e de água fresca. O grande Pirandello fez-me rir, dilacerando-me e tornando-me desconfiado, isto é, prevenido.
Nesta altura do campeonato, estou a ouvir o sussurro de um qualquer rato de esgoto: “Este tipo quer-nos convencer de que leu tudo e mais alguma coisa.” Responderei, como respondeu D’Annunzio a Gide: sim, li tudo, na esperança de encontrar finalmente A OBRA-PRIMA.
Eugénio Lisboa
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