sexta-feira, julho 14

Martin

Martin é capaz de coisas de que sou incapaz. De abordar qualquer mulher em qualquer rua. Devo confessar que, desde que conheço Martin (e isso faz bastante tempo), tenho me aproveitado muito desse talento do meu amigo, pois gosto de mulheres tanto quanto ele, mas não possuo sua impetuosa audácia. Por outro lado, poderia censurar Martin por fazer da abordagem um exercício de virtuosismo considerado como um fim em si e, muitas vezes, não ir mais adiante. É por isso que ele se compara, não sem certa amargura, ao generoso atacante que dá bons passes para um companheiro de equipe, fazendo-o assim marcar gols fáceis e colher glórias sem grande esforço.

Na segunda-feira daquela semana, ao sair do trabalho à tarde, eu estava esperando por ele num café da praça São Venceslau, absorvido na leitura de um grosso livro alemão sobre a antiga cultura etrusca. Foram necessários muitos meses para que a biblioteca da universidade conseguisse para mim o empréstimo dessa obra na Alemanha. Naquele dia eu estava acabando de recebê-la; trazia-a comigo como uma relíquia e no fundo estava muito contente com o atraso de Martin, pois assim poderia finalmente folhear numa mesa de café o tão desejado livro.

Não posso evocar essas velhas culturas antigas sem uma espécie de nostalgia. De nostalgia e inveja, ao pensar sem dúvida na suave lentidão da história naquele tempo. A antiga cultura egípcia ocupa muitos milênios, a antiguidade grega durou perto de mil anos. Sob esse aspecto, a vida do ser humano como indivíduo é uma imitação da história humana: a princípio mergulhada numa imóvel lentidão, depois acelerando aos poucos e cada vez mais. Martin faria quarenta anos dentro de dois meses.

Milan Kundera, "Risíveis amores"

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