segunda-feira, julho 17

O original e a cópia

No dia infindável,
no centenário banco de farmácia,
discutem passarinho
como se fosse polícia municipal.
Carece discutir alguma coisa,
senão o tempo vira mármore
gelado
e todas as pessoas viram mármore
roído, desbotado; de jazigo.
Discute-se a vária cor do sabiá,
o voo particular do sabiá,
o canto divino do sabiá,
superior à flauta de Lilingue.
Protesta Lilingue,
retira-se, flautista indignado.
Silêncio de sem-jeito.
Seu Paulinho Apóstolo rompe o mal-estar:
— De todos os sabiás da redondeza
(e abrange, mãos em concha, o orbe terráqueo),
desde o coleira ao laranjeira,
o que eu destaco pela melodia,
que é dom de Deus, sei lá, de anjos cantores,
é o sabiacica.
Todos se erguem, estupefatos:
— Mas não é sabiá! É papagaio!
Só imita sabiá, o porcaria!
Seu Paulinho Apóstolo sorri
de tamanha besteira:
— Bobagem de vocês, o sabiá
é que vive imitando sabiacica.
Carlos Drummond de Andrade, "Boitempo – Esquecer para lembrar"

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