Era um desses malucos que os compêndios de medicina um dia hão de chamar de futemaníacos ou futefanáticos. Jamais tinha procurado um psicanalista. Se tivesse, descobriria que desde a primeira bola, presente de um tio no seu quinto aniversário, estava condenado. As vidraças partidas, os vidros estilhaçados e as pragas da mãe foram um sinal, mas ele era muito novo para perceber.
Até os catorze anos jogou com os meninos, na rua, e com os colegas de colégio, no pátio. Aos quinze foi fazer teste em um clube, aos dezesseis em outro. Aos dezessete, estava em um time da segunda divisão, aos dezoito em um time da terceira. Aos dezenove, um pontapé no joelho o impediu de seguir o caminho mais que seguro para a quarta divisão. Aos vinte, conseguiu uma vaga de caixa num supermercado e pareceu livre da futemania até os vinte e dois, quando chutou o emprego, usou o dinheiro juntado para dar uma ajeitada no joelho e foi tentar a sorte no futebol de salão. Na quadra, imaginava que poderia correr menos que no campo. Um ano depois, disseram-lhe que não havia lugar para ele nem na reserva.
– É o meu joelho, não é? – ele perguntou.
O técnico, um sessentão simpático, balançou a cabeça:
– Vou lhe dar um conselho, filho. Isto aqui não é pra você. Não é questão de joelho, é de jeito. Nem com dez joelhos você vai ser craque. O craque já é craque na barriga da mãe.
Chegando em casa, ele descarregou sobre a mãe a culpa por seus chutes tortos e suas cabeçadas imperfeitas. Ficou um tempo sem falar com ela e com o pai. Foi surpreendido com um convite para voltar a trabalhar como caixa, no supermercado. Aceitou, mas continuou sonhando com dribles, gols, títulos e fama. Num jogo de casados contra solteiros, numa festinha de funcionários, teve a confirmação de que futebol não era coisa para ele. Começando como centroavante, mostrou-se tão incapaz de superar os barrigudos zagueiros do outro time que foi recuado para a defesa e depois – vergonha das vergonhas – rebaixado para goleiro. Terminada a partida, perguntaram-lhe se tinha sido seu primeiro jogo. Respondeu que não, que era o último.
Nunca mais pôs um calção e poderia até se julgar curado da paixão pela bola, se não virasse o mais enlouquecido dos torcedores. O time com o qual simpatizava desde a infância, mas sem muito entusiasmo, de repente se tornou uma obsessão. Começou a acompanhá-lo com fidelidade canina. Num dos jogos, conheceu uma torcedora tão fanática quanto ele. Oito partidas depois, estavam casados. E, sempre que a televisão precisava de um casal disposto a escancarar a casa e mostrar tapetes com emblema, toalhas com emblema, jarras com emblema e copos com emblema, ia procurar os dois.
Quando a mulher engravidou, até o oitavo mês os dois continuaram indo aos estádios. O filho nasceu e, já na primeira semana, uma equipe de tevê entrou no quarto para mostrar como era: colcha com emblema, travesseiro com emblema, ursinho com emblema, chocalho com emblema. A câmera fixou-se no pai e na mãe, e a apresentadora fez a pergunta:
– Felizes?
– Mais ou menos – responderam marido e mulher, ao mesmo tempo.
– Mais ou menos por quê? É o menininho mais lindo que eu já vi.
– Você acha mesmo?
– Acho, sim.
– Você ficaria com ele este domingo, pra gente poder ir ver o jogo?
A repórter pensou que fosse brincadeira do pai. Quando viu o rosto cheio de ansiedade da mãe, viu que não era.
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