No inverno do último ano como interno no Colégio Cruzeiro do Sul ocupava sozinho o quarto número 50, um cubículo estreito onde mal cabiam uma cama, um lavatório de ferro com jarro e bacia, e o baú onde eu guardava as minhas roupas. Nessa época comecei a sofrer de insônias. Talvez insônia não seja a palavra exata para definir o que eu sentia, pois na realidade sono mesmo não me faltava. O que acontecia era que eu acordava sobressaltado cerca das dez horas da noite e começava a sentir aos poucos no quarto escuro e fechado uma angústia de emparedado. Precisava desesperadamente de acender uma luz – o que não era possível, pois o dormitório era iluminado por lâmpadas alinhadas no centro do teto e que se apagavam irremediavelmente a uma hora certa. Minhas pálpebras em geral pesavam de sono, mas aquela opressão no peito, aquela ansiedade me mantinham acordado. Era uma espécie de falta de ar, de necessidade de companhia humana ou pelo menos de uma janela aberta para a noite, para o mundo, para a vida. E o pior era que essa angústia podia transformar-se em pânico dum momento para outro. Eu tinha a impressão de estar num túnel sem ar, ou sepultado numa carneira, fechado num féretro...
Consultei um médico de ar bondoso e bovino que costumava tratar dos internos do Cruzeiro do Sul. Fez-me perguntas. Sofria eu de falta de memórias? Era distraído? Algum problema me preocupava? Eu respondia numa atitude meio defensiva de quem tem segredos a guardar. Por fim o bom homem me receitou Fosfato Ácido de Oxford. Tomei um vidro sem nenhum resultado positivo.
Observava que minha ansiedade aumentava ou então era desencadeada nas noites em que eu ouvia o vento uivar lá fora. Sim, a voz do vento era um fator de ansiedade. Eu tratava de chamar-se à razão. Tudo estava bem. Em breve apareceria o sol e a vida normal começaria. Inútil. Aquela coisa que me comprimia o peito e me dava gana de sair correndo a abrir janelas e portas, a acender luzes e a procurar a companhia dos colegas, continuava. Só madrugada alta – e eu não sabia como – é que conseguia dormir algumas horas.
(Num romance que eu haveria de escrever dali a quase 30 anos, uma personagem diria: “Noite de vento, noite dos mortos”.)
Erico Verissimo, "Solo de clarineta"
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