quarta-feira, julho 31

Livraria infantil mais antiga do Brasil fecha as portas no Rio

As livrarias estão fechando. Está desesperador esse movimento. Livrarias pequenas não são simples lojas, elas proporcionam uma experiência afetiva com conversa, troca de ideias. É uma coisa colorida, aconchegante. Não é um simples comércio 
Luísa de Souza

Fundada em 27 de setembro de 1979 no shopping da Gávea, na Zona Sul, a livraria é a mais antiga do setor infanto-juvenil no país.

A Malasartes nasceu da parceria entre a escritora e jornalista Ana Maria Machado, a contadora de histórias Maria Eugênia da Silveira e então recém-formada psicóloga Renata Moraes. Anos mais tarde, após as saídas de Machado e Silveira, entraram na sociedade a irmã e a mãe de Renata, Claudia Amorim e Yacy Mattos de Moraes.


Com o tempo, apenas Renata continuou a frente da loja. Ela confidenciou uma curiosidade sobre a criação da Malasartes: uma astróloga foi quem orientou a fundação em 27 de setembro, dia de São Cosme e Damião.

"A astróloga que disse pra minha sócia Maria Eugênia: "tem que ser no dia 27 de setembro, porque é o dia de São Cosme e Damião, que é das crianças". Não é legal? E a gente dá todo ano - dava, né, porque esse ano vai dar - as balinhas. Eu embrulhava com a minha mãe, Yaci", conta.

A relevância para o setor editorial começou logo no mesmo ano da abertura, quando o cantor Chico Buarque lançou seu primeiro livro para crianças "Chapeuzinho Amarelo". A sessão de autógrafos na livraria resultou em quilômetros de fila e um engarrafamento que se estendeu até o bairro vizinho, o Jardim Botânico, firmando a livraria no mapa cultural da cidade, onde reuniu gerações de escritores, ilustradores e crianças.

Organizada com mesinhas baixas, almofadas e estantes coloridas, a loja foi pioneira no incentivo às crianças para manusear os livros em uma época em que isso era quase proibido nas livrarias. O "diferencial" da Malasartes foi relembrado por uma antiga fã nas redes sociais, a psicóloga Celina Cantidiano.

"Era muito estimulado que a gente mexesse nos livros. Acho que antigamente tinha muito essa visão dos livros não serem tocados. "Mãos para trás, não encostem". E a Malasartes foi muito pioneira, que eu lembro também, de ter uma mesinha para as crianças ficarem brincando, ter contação de história. A gente poder mexer nos livros, manusear os livros, e era tão bom", relata.

A Malasartes foi mais uma a não sobreviver à crise que afeta livrarias físicas pelo país. Segundo a dona, Renata Moraes, desde a volta da pandemia da Covid-19, em 2022, a clientela reduziu em, pelo menos, 40%. A concorrência com plataformas online e os alto valores pagos pelo ponto dentro do shopping também influenciaram na decisão de fechar as portas.

Apesar da tristeza pelo fechamento da livraria, Renata conta que tem recebido muito carinho de antigos clientes - gerações que agora levam filhos e netos para se despedirem do espaço, a quem ela batizou de "Os Gavianos". Ao lado das últimas funcionárias Alana Lopes Moreira e Juliana Dias de Araújo, Renata diz que o sentimento é de missão cumprida.

"Quem são os nossos clientes que estão aparecendo toda hora na mídia e vem aqui me abraçar e a gente chora? Eu chamo "Os Gavianos", eu resolvi botar esse nome neles. Não necessariamente eles moram na gávea, mas é todo mundo que tem um carinho especial por aqui. De fato, eles vinham, sentavam nesse banquinho. Antes vinham porque os pais traziam, os avós, e trazem os filhos agora", afirma.

De acordo com dados da Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro, até 2023, em seis anos, o Rio de Janeiro perdeu 60 livrarias - com fechamentos de marcas tradicionais, como a Saraiva, Galileu, Cultura, Travessa e a rede Nobel.

Um levantamento feito pela Nielsen, em parceria com a Câmara Brasileira do Livro e o Sindicato Nacional dos Editores, apontou uma redução de 8% nas vendas de livros no Brasil em 2023. Já o faturamente do setor recuou em 5%.

O anúncio do fechamento foi feito em uma publicação da livraria no Instagram, no último dia 13, e comoveu o público. Artistas, como Patricia Pillar, Alice Wegmann, Matheus Solano, a autora Thalita Rebouças e a cantora Zélia Duncan lamentaram o encerramento das atividades.

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