O homem estacionou seu carro bem em frente ao portão do pátio, um automóvel empoeirado, de cor bege. E no vidro traseiro, assim como nos vidros laterais, havia um mosaico de adesivos coloridos, toda sorte de exclamações, declarações, alertas e lemas. Ele trancou a porta do carro, mas deteve-se para examinar diligentemente uma porta após outra, verificando se estavam todas bem trancadas. Depois deu uma leve palmada no capô,e logo outra, como se o carro fosse um velho e fiel cavalo que ele prendia à estaca da cerca, sinalizando-lhe com carinhosos tapinhas que a espera não seria longa. Depois disso abriu o portão e dirigiu-se à varanda da frente, sombreada por um caramanchão de videiras. Seu andar parecia saltitante e um pouco dolorido, como se pisasse descalço em areia quente.
De seu lugar, na cadeira de balanço suspensa no canto da varanda, vendo sem ser visto, Arie Tselnik observava o visitante desde que ele estacionara o carro. Mas, por mais que se esforçasse, não conseguia lembrar quem era esse estranho-não-tão-estranho.
Onde o encontrara, quando o encontrara? Em uma de suas viagens ao exterior? Nos exercícios militares de reservistas? No escritório? Na universidade? Ou talvez ainda nos tempos de escola? A fisionomia do estranho tinha uma expressão matreira e radiante, como se tivesse conseguido dar um grande golpe e agora se alegrasse com a desgraça alheia. Por trás daquele rosto estranho, ou por baixo dele, delineava-se o esboço impreciso de um rosto conhecido, incomodativo, um rosto inquietante: o rosto de quem já lhe fizera mal alguma vez? Ou, pelo contrário, de alguém a quem você já tivesse feito um mal agora esquecido?
Como um sonho do qual nove décimos tivessem submergido e só um pequeno pedaço ainda fosse visível. Arie Tselnik decidiu então não se levantar do lugar para ir ao seu encontro, mas recebê-lo ali, na cadeira suspensa, na varanda à entrada da casa.
Amós Oz, "Cenas da vida na aldeia"
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