Eles não são Grande Literatura, não serão lembrados daqui a cem anos e nem se propõem a isso. A sua intenção é oferecer aos leitores um ambiente aconchegante onde possam se refugiar da crise climática, do aumento do custo de vida, dos horrores do noticiário. São quase sempre bem-sucedidos: ganham muitas estrelas na Amazon e no Goodreads, e uma enorme quantidade de resenhas positivas.
Nem todos são bons, é claro, mas a maioria é no mínimo agradável de ler e, em geral, têm ótimas traduções. Isso se explica. Os livros passaram no teste de mercados extremamente concorridos, e seus tradutores costumam ser acadêmicos especializados não só na língua, mas na cultura dos países que trazem até nós.
O meu favorito entre todos que li é “A biblioteca dos sonhos secretos”, de Michiko Aoyama, traduzido por Jefferson José Teixeira para a Sextante. A capa é linda e, sim, tem um gato. Dividido em cinco partes, conta a história de cinco diferentes pessoas que, por motivos diversos, vão à biblioteca de um pequeno centro comunitário em Tóquio. Lá a bibliotecária lhes recomenda livros aparentemente aleatórios que, no entanto, mudam as suas vidas. Os cinco, entre 21 e 65 anos, homens e mulheres, são pessoas comuns, com problemas bastante triviais. Precisam apenas de empurrões na direção certa, e a senhora Komachi é mestra em acertar essa direção.
A escrita é simples e direta, o tom é baixo: o exato oposto de um filme de ação. As suas 230 páginas são um ambiente calmo, acolhedor e gentil.
“Vou te receitar um gato”, de Ishida Syou, traduzido por Eunice Suenaga para a Intrínseca, chegou ontem às livrarias e tem uma estrutura muito semelhante. A capa é irresistível, e de novo encontramos cinco personagens em cinco histórias que não precisam necessariamente ser lidas em sequência; elas também estão às voltas com problemas que não conseguem resolver.
O estilo dos dois romances, porém, é muito diferente. “A biblioteca dos sonhos secretos” é sólido e tem os pés no chão; os livros indicados pela senhora Komachi existem na vida real e são relacionados na última página. “Vou te receitar um gato”, por sua vez, é um exercício de realismo mágico, uma fábula deliciosa que não deve ser interpretada ao pé da letra. Suas personagens buscam uma certa clínica em Quioto, e são surpreendidas pelo tratamento prescrito: gatos com bula e modo de usar.
“Meus dias na livraria Morisaki” e “Uma noite na livraria Morisaki”, de Satoshi Yagisawa, traduzidos respectivamente por Andrei Cunha e Tomoko Gaudioso para a Bertrand Brasil, são dois outros livros terapêuticos que me fizeram muito bem. Ambos têm gatinhos estrategicamente posicionados na capa, mas as histórias nem precisam deles para exercer o seu poder curativo.
Cora Rónai
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