domingo, julho 21

Relax

Aquele monstro que se chamou Champollion descansava de seus estudos de egiptologia escrevendo uma gramática chinesa.

Porém, nós outros, os (relativamente) normais, que havemos de fazer?

Palavras cruzadas?

No entanto, o perigo das palavras cruzadas é nos inocularem às vezes, para todo o sempre, os mais estapafúrdios conhecimentos. Por exemplo, há duas semanas sou sabedor de que “rajaputro” significa “nobre do Hindostão, dedicado à milícia”. Espero, o quanto antes, esquecer tal barbaridade.

O problema é substituir as preocupações pela ocupação.

Quanto ao exercício da poesia, nem falar! Qualquer poeta sabe como dói, como é preciso virar a alma pelo avesso para fazer um verdadeiro poema — salvo se você for um poeta concretista, porque, na verdade, não há nada mais abstrato.

Pois bem, falando em coisas sérias, o problema, seu poeta, é ocupar o espírito sem ao mesmo tempo estraçalhá-lo.

E problemas assim — puros problemas — só mesmo os problemas matemáticos. Já o velho Pinel recomendava o estudo das Ciências Exatas como preservativo dos distúrbios mentais.

A Matemática é o pensamento sem dor.

Mas infelizmente sucede que a Matemática ainda é pior do que chinês para nós, que, nesta altura da vida, só não esquecemos as quatro operações e, quando muito, a regra de três e também a teoria dos arranjos, permutações e combinações — tão úteis no jogo do bicho.

Que resta, então?

Oh! como é que eu não me lembrei disso antes?! Resta-nos um passatempo esquecido: o proveitoso, o delicioso vício da leitura.
Mário Quintana, "A vaca e o hipogrifo"

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