quarta-feira, julho 17

Onde já se viu?

Uma tarde de inverno, estava eu lá, na Rua Barão de Itapetininga, mexendo nas estantes de uma livraria. (Não consigo passar por uma sem entrar pra fuçar no meio dos livros. Desde que eu tinha quatro anos de idade – o que já faz muito tempo – livro para mim é a coisa mais gostosa do mundo. A gente nunca sabe que surpresa vai encontrar entre duas capas. Pode ser coisa de boniteza, ou de tristeza, ou de poesia, ou de risada, ou de susto, sei lá. Um livro é sempre uma aventura, vale a pena tentar!)


Pois bem, estava eu ali, muito entretida, examinando os livros, quando de repente senti que alguém me puxava pela manga. Olhei para baixo e vi um menino – um garotinho de uns nove ou dez anos, magrelo, sujinho, de roupa esfarrapada e pé no chão. Uma dessas crianças que andam largadas pelas ruas da cidade, pedindo esmola. Ou, no melhor dos casos, vendendo colchetes ou dropes, essas coisas. Eu já ia abrindo a bolsa para livrar-me logo dele, quando o garoto disse:

-- Escuta, dona... (Naquele tempo, ninguém chamava a gente de tia: tia era só a irmã do pai ou da mãe.)

-- O quê? – perguntei. – O que você quer?

-- Eu... dona, me compra um livro? – disse ele baixinho, meio com medo.

Dizer que fiquei surpresa é pouco. O jeito do menino era de quem precisava de comida, de roupa, isso sim. Duvidei do que ouvira:

-- Você não prefere algum dinheiro? – perguntei.

-- Não, dona – disse o garoto, mais animado, olhando-me agora bem nos olhos. – Eu queria um livro. Me compra um livro?

Meu coração começou a bater forte.

-- Escolha o livro que você quiser – falei.

As pessoas na livraria começaram a observar a cena, incrédulas e curiosas. O menino já estava junto à prateleira, examinando ora um ora outro livro, todo excitado. Um vendedor se aproximou, meio desconfiado, com cara de querer intervir:

-- Deixe o menino escolher um livro – falei. – Eu pago.

As pessoas em volta me olhavam admiradas. Onde já se viu alguém comprar um livro para um molequinho maltrapilho daqueles?

Pois vou lhes contar: foi exatamente o que se viu naquela tarde, naquela livraria. O menino acabou se decidindo por um livro de aventuras, nem me lembro qual. Mas me lembro bem da minha emoção quando lhe entreguei o volume e vi seus olhinhos brilhando ao me dizer um apressado "obrigada, dona!" antes de sair em disparada abraçando o livro apertado ao peito.

Quanto aos meus próprios olhos, estes se embaçaram estranhamente, quando pensei comigo: "Tanta criança rica não sabe o que perde, não lendo, e este pobre menino – que certamente não era um pobre menino – sabe o valor que tem essa maravilha que se chama livro!"

Isso aconteceu há vários anos. Bem que eu gostaria de saber o que foi feito daquele menino...

Tatiana Belinky

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