sábado, agosto 3

A arte desafia a ortodoxia

Rejeitar ou denegrir a arte pelo facto de ela o fazer é não compreender a sua natureza. A arte coloca a apaixonada visão pessoal do artista em contraponto com as ideias aceites do seu tempo. A arte sabe que as ideias aceites são inimigas da arte, como nos disse Flaubert em Bouvard et Pécuchet. Os clichés são ideias aceites, e também as ideologias o são, tanto aquelas que dependem da sanção dos invisíveis deuses do céu como as que não. Sem a arte, a nossa capacidade de pensar, de ver com frescura e de renovar o nosso mundo estiolaria e morreria.

A arte não é um luxo. Está na essência da nossa humanidade e não requer proteção especial a não ser o direito de existir.

Aceita a discussão, a crítica até a rejeição. Não aceita a violência.

E, no fim, sobrevive àqueles que a oprimem. O poeta Ovídio foi exilado por César Augusto, mas a poesia de Ovídio sobreviveu ao Império Romano. A vida do poeta Mandelstam foi destroçada por Sstalin, mas a sua poesia sobreviveu à União Soviética. O poeta Lorca foi assassinado pelos rufiões do general Franco, mas a sua arte sobreviveu ao fascínio da Falange.

Salman Rushdie, "Faca"

Nenhum comentário:

Postar um comentário