A cada meio-dia, Nelson tomava o ônibus, a guagua 68, na porta do hotel, e ia ler livros sobre Cuba. Lendo passava as tardes na biblioteca Jose Marti, até que a noite caia.
Naquele meio-dia, a guagua 68 deu uma violenta freada num cruzamento. Houve gritos de protesto, pela tremenda sacudida, até que os passageiros viram o motivo daquilo tudo: uma mulher prodigiosa, que tinha atravessado a rua.
— Me desculpem, cavalheiros — disse o motorista da guagua 68, e desceu. Então todos os passageiros aplaudiram e lhe desejaram boa sorte.
O motorista caminhou balançando, sem pressa, e os passageiros viram como ele se aproximava da saborosa mulher que estava na esquina, encostada no muro, lambendo um sorvete. Da guagua 68 os passageiros seguiam o ir-e-vir daquela linguinha que beijava o sorvete enquanto o motorista falava sem resposta, até que de repente ela riu, e brindou-lhe um olhar. O motorista ergueu o polegar e todos os passageiros lhe dedicaram uma intensa ovação.
Mas quando o chofer entrou na sorveteria, produziu-se uma certa inquietação generalizada. E quando depois de um instante saiu com um sorvete em cada mão, espalhou-se o pânico nas massas.
Tocaram a buzina. Alguém grudou-se na buzina com alma e vida, e tocou a buzina como alarme de roubos ou sirena de incêndios; mas o motorista, surdo, continuava grudado na perigosa mulher.
Então avançou, lá dos fundos da guagua 68, uma mulher que parecia uma bala de canhão e tinha cara de mandona. Sem dizer uma palavra, sentou-se
no assento do chofer e ligou o motor. A guagua 68 continuou sua rota, parando nos pontos habituais, até que a mulher chegou no seu próprio ponto e desceu. Outro passageiro ocupou seu lugar, durante um bom trecho, de ponto em ponto, e depois outro, e outro, e assim a guagua 68 continuou ate o fim.
Nelson Valdes foi o ultimo a descer. Tinha esquecido a biblioteca.
Eduardo Galeano, "O livro dos abraços"
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