Mas e eu? O que dou a eles? Não sei, e sinto-me incapaz de calcular. Embora imagine que alguma coisa eu certamente lhes tenha dado em troca; e se imagino isso é por saber que amizade é um intercâmbio. Acho, porém, que sem sentir andei falhando com uma das amigas. Pois ela me disse ao telefone: “Você já me deu muito e no entanto eu tenho um pedido para fazer.” E, bastante sem jeito, como uma menina, perguntou se eu não poderia escrever algumas linhas para ela, só para ela, como lembrança minha, e que nem sequer mostraria a alguém. O que me surpreendeu foi o tom embaraçado: o mesmo que algumas pessoas muito jovens usam para me pedir que eu autografe um livro. Nossa intimidade prescindia desse tom. Imediatamente depois de ter falado, ela se arrependeu com muita sinceridade e com voz aflita quis retirar o pedido. Mas eu respondi que era inútil: o pedido já tinha sido ouvido e eu estava alegre em poder lhe dar alguma coisa. Ela se despediu com o ar de criança que errou. O que escrever para você, Rosa? A ajuda que você, como amiga, sempre me deu nunca foi em público.
Quando precisei de você sempre recebi palavras, presença, consolo, amizade – e tudo de graça, tudo dado só para ser dado. Eu deveria escrever algumas linhas para você em particular? No entanto fiquei tão encantada com o que você tem de criança, com esse tom de pedir autógrafo que os tímidos às vezes tomam, você que tinha direito de pedir sem nenhuma timidez. Não me leve a mal se, em vez de lhe dar particularmente as linhas, eu as dê em público: não faz mal, é tão natural que você queira uma lembrança minha. Assim, Rosa, como se eu lhe mandasse flores, dou a você estas linhas, e são só para você. Pena que não sejam bonitas como flores. Mas a intenção era, a amizade é.
Clarice Lispector, "Todas as crônicas"
Clarice Lispector, "Todas as crônicas"
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