À noite era um pouco melhor. Podia passar cuidadosamente as mãos pela realidade, alisando-a para a observar com a esperança de, um dia, obter dela uma perspectiva geral, como se examinasse uma tapeçaria inacabada e multicolor cujo padrão oculto e intrincado poderia porventura deslindar, mais cedo ou mais tarde. No silêncio noturno, recordava-se das vozes que ouvira durante o dia e, com um pouco de paciência, desemaranhava-as umas das outras como fios de um novelo. Podia pensar com toda a calma nas palavras, sem temer o aparecimento de novos termos antes que a noite terminasse. Naquela fase da sua vida, a noite só com muita dificuldade apartava os dias, e se abrisse com um sopro um buraco nas trevas – como se desembaciasse uma vidraça coberta de gelo –, a manhã penetraria nos seus olhos muitas horas antes do tempo devido.
Tove Ditlevsen, "Os Rostos"
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