Ainda há pouco tempo, passava eu junto da igreja de *** , e a multidão ali reunida impressionou-me. Falava-se do casamento que ali decorria. O dia estava cinzento, começava a cair uma água-neve; seguindo a multidão, entrei na igreja e vi o noivo. Era um homenzinho pequeno, redondinho, cheiinho, barrigudinho, todo aperaltado. Corria, azafamava-se, dava ordens. Por fim correu pela multidão o rumor de que já traziam a noiva. Furei através da multidão e vi uma beldade divina em que ainda mal despontava a primeira primavera. Mas a beldade estava triste e pálida, e trazia um olhar distraído; pareceu-me, até, que os olhos dela estavam vermelhos de lágrimas recentes. O rigor clássico de cada traço do seu rosto dava à beleza dela imponência e solenidade, o que não impedia que, através deste rigor e solenidade, através da tristeza, transparecesse a sua primeira imagem de marca, a imagem infantil e inocente; revelava-se nela qualquer coisa de muito ingênuo, ainda imaturo, verde e que parecia suplicar piedade.
Diziam que ainda mal acabara de fazer dezasseis anos. Olhando com atenção para o noivo, reconheci Iulian Mastákovitch, que vira pela última vez havia cinco anos certos... Meu Deus! Furei de volta por entre a multidão, até à saída da igreja. Entre o povo ali reunido dizia-se que a noiva era rica, que tinha quinhentos mil rublos de dote... Mais tanto, tanto e tanto de enxoval...
“O cálculo dele estava correto!”, pensei eu, saindo finalmente para a rua.
Fiódor Dostoiévski, "O Ladrão Honesto e outras Histórias"
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