quarta-feira, agosto 7

Noa Noa

Outro dia, ou melhor, outra noite, estava eu sentado na minha sala diante de uma bela reprodução de Gauguin, comprada aqui em Montevidéu. A reprodução fica sobre a lareira, no centro da sala, e representa duas lindas vahinés taitianas, com os seus pareos coloridos, posando para o dramático pintor, contra um fundo verde-amarelo de vegetação. A moça da esquerda (vista pelo observador) traz nas mãos uma cestinha de palha cheia de flores de um laranja-avermelhado, sobre a qual parecem repousar também seus esplêndidos seios nus. Mira ela o pintor com um ar de um tal mistério (ou será de uma misteriosa malícia?) que dá para a gente ficar pensando... À direita do quadro, sua jovem companheira, também olhando de meio-perfil para o pintor, parece ter acabado de segredar-lhe alguma coisa.


Que estariam elas dizendo? Olhei-as bem, em sua curiosa postura, e ao fim de dez minutos, não tive nenhuma dúvida. A vahiné da direita segredara à sua amiga:

– Ele é divino, você não acha?

– Ora se acho!

– Você já...

– Ainda não. Mas vou passar ele na cara hoje mesmo, ah, isso eu vou!

– Depois você deixa eu dar uma voltinha?

– Psiu... Cuidado que ele está olhando para cá...

– Ah deixa...

E ninguém precisou torcer o braço de Gauguin para ele ter mais uma adorável noite taitiana…
Vinicius de Moraes, "Para viver um grande amor"

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