(...) E assim passam os dias , e às vezes pergunto-me se não estarei tão hipnotizada pela vida como uma criança por um globo de prata; e se isto é viver. É muito rápido, é brilhante, entusiasma. Mas é superficial talvez. Gostava de pegar no globo com as minhas mãos, tocá-lo devagar, senti-lo redondo, liso, pesado. E segurá-lo depois, dia após dia. Acho que vou ler Proust. De trás para a frente e de frente para trás.
Quanto ao próximo livro, vou evitar escrever até que ele esteja iminente: até ele pesar no meu espírito como um pera madura; pendente, prenha, pedindo que a cortem do ramo senão cai. As Falenas ainda me perseguem, e surgem, como costumam surgir as falenas, imprevistas, entre o chá e o jantar, enquanto o L. põe discos no gramofone. Dou forma uma ou duas páginas; e forço-me a parar. Estou aliás perante algumas dificuldades. Para já, a fama. O Orlando tem-se vendido muito bem. Agora era capaz de continuar a escrever assim - é uma atração, uma vertigem. Dizem-me que foi espontâneo, que foi tão natural. E eu gostava de manter essas qualidades, se o pudesse fazer sem perder as outras. Mas tais qualidades são, em grande parte, o resultado de eu ignorar as outras. Provêm de eu escrever em exterior; e se aprofundar não as perderei por força? E qual é a minha posição em relação ao externo e ao interno? Acho que é bom um certo à-vontade, o rasgo; sim, acho que até a exterioridade é uma boa coisa; deve ser possível combinar as duas. Ocorreu-me que o que eu quero agora é impregnar cada átomo até à saturação dele. Ou seja, eliminar tudo o que é inútil, morto, supérfluo: criar o momento inteiro; seja o que for que o momento inclua. Porque o momento é uma combinação de pensamento; sensação; a voz do mar. O inútil e o morto provêm da inclusão no momento do que lhe não pertence; esta mania narrativa , aterradora, do realista - seguir do almoço ao jantar - é falsa , não é real, é tão-só uma convenção. Porquê admitir à literatura o que não é poesia, sinônimo para mim de saturação? Não é isto o que reprovo nos romancistas, o facto de eles não selecionarem nada? Os poetas criam simplificando; não incluem praticamente nada. Eu quero incluir praticamente tudo; mas impregnar. É o que eu quero fazer nas Falenas. Tem de incluir o nonsense, o facto, o sórdido: mas tornados transparentes. Acho que tenho de ler Ibsen, Shakespeare e Racine. E hei-de escrever qualquer coisa sobre todos os três; porque essa é a melhor espora, sendo o meu espírito como é; depois ler com exatidão e fúria; senão passo e salto: sou uma leitora preguiçosa.Mas não sou: surpreende-me , inquieta-me até a severidade sem remorso do meu espírito; que não pára de ler e de escrever; que me faz escrever sobre Geraldine Jewsbury, sobre Hardy, sobre as mulheres - é um espírito demasiado profissional , quase já não é uma amadora que sonha.
Virgínia Wolf, "Diário 1927-1941"
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