quinta-feira, agosto 18

A importância da gentileza

A gentileza está em falta. É artigo de luxo. Está em falta porque não a compreendemos e, por não a compreendermos, não sabemos fabricá-la. É um produto escasso, raro. E nem custa tão caro. Para exercê-la basta apenas um coração limpo e olhos disponíveis para a atenção. Atenção ao outro. O maior pecado que alguém pode cometer – para quem gosta de falar em pecados – é estar desatento ao outro. Quem está atento valida a existência do próximo e a sua também. Valida a existência dos animais, das plantas, das pedras, de todas as coisas visíveis e invisíveis.

A gentileza possui uma dimensão moral, é a elegância da alma. Ser gentil é dizer a alguém: “Você existe tanto quanto eu”. Assim como as estrelas validam o céu, ou como a areia valida o chão. Não é uma tarefa fácil, somos cotidianamente doutrinados à distração. Mas basta tentar. Uma vez, numa dessas festinhas de Natal em que se confraterniza e se trocam presentes, eu e meu grupo de estudos literários presenteamos uma das funcionárias do espaço onde nos encontrávamos. Pois bem, convidamos aquela mulher ao centro da roda e lhe entregamos uma lembrancinha, algo simbólico como homenagem natalina. Agradecida, me abraçou e disse: “É o primeiro presente do meu aniversário” – ela estava fazendo cinquenta anos naquele dia e chorou como uma menina. Os dois olhos emocionados daquela mulher, maviosos olhos infantis, daqueles dois olhos eu jamais vou esquecer. Assustados, pegos de súbito, eles me diziam: “Vocês então perceberam que eu estou aqui e que preciso de carinho também?”

Aquele instante teve uma grande repercussão na minha alma. Aprendi que a vida do outro também depende de mim. É um crime se abster. Eu não sabia que dois olhos podiam conter tantas coisas, que dentro de dois olhos vive uma pessoa esperando ser convidada ao afeto. Há um ditado antigo, desses trazidos pelo tempo, pelo ar, que diz: “Eu vou chegar tão perto de você, mas tão perto que vou arrancar os seus olhos e colocá-los em mim e vou te ver como tu me vês a mim”. Ouvi esse ditado, certa vez, de uma xamã que nos ensinava a perceber a existência do outro e jamais esqueci. É difícil, mas basta exercitar. Olhe ao redor e escolha alguém para começar.
Taylane Cruz

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