Gary Thomas Crump |
Ouvi que na Ásia há um livro com a mesma propriedade, e que nos Estados Unidos existiu outro, comprado a um dervixe, mas que, pelo manuseio constante, não apresenta a singularidade: ficou um livro como os demais, unívoco.
O exemplar que possuo, não deixo que ninguém o consulte. Zelo por sua integridade, e só de longe em longe me animo a folheá-lo. E é sempre um assombro.
Não o comprei. Achei-o no porão de uma casa onde só havia trastes abandonados e teias de aranha. Ao descobrir sua inacreditável raridade, fiquei trêmulo e guardei o segredo até dos mais íntimos.
Este livro extraordinário me explicou o sentido do mundo, que varia sempre e não se subordina a qualquer filosofia. Explicação que não explica, pois sendo infinitas as variações, qualquer delas só dura o tempo de leitura de uma página, ou meia.
Não posso continuar guardando o volume, e não sei o que fazer dele. Tenho medo de abri-lo; medo de rasgá-lo; medo de que o furtem; medo de ler nele uma sentença aniquiladora, a última sentença, depois da qual o mundo deixaria de ser vário e, portanto, de existir.
Carlos Drummond de Andrade, "Contos plausíveis"
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