terça-feira, agosto 16

A tocadora de realejo

A primeira vez que a viram na cidade, era ela criança, tími­da, rósea, de um perfume alpestre da alta Sabóia, e o seu olhar claro, de uma lucidez inocente, penetrava sem pejo e sem maldade todas as coisas que via.

Tinha um vestidinho de chita azul, muito pobre, e as curvas do seio arfavam-lhe o corpete justo, com uma frescura saudável.

Cabelos loiros rolavam-lhe pelas espáduas, em cintilas fulvas.

A manga um pouco curta deixava nu o seu braço robusto e bem feito, em que se revelava o sangue das grandes raças do cam­po, esquecidas e conservadas na agrura das solidões bravias.

Arrastava o seu carro de música, desmantelado, com o rea­lejo em cima, pelas grandes ruas em tumulto, sozinha, crente, pura nos seus quinze anos.

Às vezes erguia timidamente os olhos para as janelas- onde borboleteavam crianças, e, suplicante, apontava o realeio, pergun­tando se queriam que ela moesse, como num moinho de café, os coros de Mozart. Alguns riam-se. Ela caminhava na sua misé­ria laboriosa.

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