terça-feira, agosto 2

A personagem do fim

Vi o romance na vitrine da livraria e me interessei pelo título. Li o texto da orelha e soube que era o primeiro livro do autor: um texto breve, uma novela de 52 páginas e meia dúzia em branco para encorpar o volume cuja lombada mal se equilibrava de pé.

Depois soube que Sávio era um perseguidor de mocinhas ricas que moravam em bairros nobres da cidade. A trama mencionava um sequestro de uma dessas ninfas grã-finas; o que vinha em seguida era um mistério que o autor anônimo da orelha não revelou. A novela era a história desse mistério. Folheei o livrinho, percebi a linguagem sóbria, sem rebuscamentos do narrador: frases longas que alternavam com outras mais breves, habilmente construídas. As palavras e o ritmo das frases me atraíram mais que o enredo, que de algum modo eu já conhecia. Faltava o mistério.

Comecei a ler o livro no café ao ar livre da livraria. Não havia ninguém por ali e o silêncio era um convite à leitura. O calor úmido da metrópole lembrou o calor abafado da minha cidade. Pedi uma garrafa de água e acompanhei a sede carnal do personagem: um homem ávido por sexo, tão ávido que parecia desconhecer o amor, o erotismo e as carícias da noite. Claro que havia noites de orgasmo na narrativa, mas eram noites de cópula apressada, não de amor. Quase não havia descrições, os diálogos eram intencionalmente banais, como quase tudo nas noites daquele Don Juan de um bairro nobre da metrópole. Todas as mocinhas pareciam uma única ninfa mimada, perdida em devaneios ambiciosos, como alguém que aspira a uma dessas celebridades fúteis e vazias que se vê nos piores programas de TV.

Não foi difícil notar que a recorrência de corpos e diálogos era uma estratégia narrativa. A novela não pode ser isso, pensei. E então, na página 27, surgiu uma história de amor. Exatamente na metade do livro. Admirei essa simetria perfeita: metade perfídia e vaidade, a outra metade uma verdadeira conquista amorosa. Mergulhei na rede complicada dessa conquista, que às vezes beirava o patético, mas a voz do narrador insinuava que o patético é humano e às vezes vale a pena ser vivido.

Li a novela em menos de duas horas e fiquei pensando na linguagem que me conduziu ao enredo e aos personagens, como um leitor que acaba de ler um bom livro.

Estava perdido nesse devaneio quando alguém — uma mulher madura e esbelta — sentou na cadeira à minha esquerda e cruzou as pernas. Percebi que ela me olhava ou olhava o livro aberto nas minhas mãos. Eu pensava na história, pensava na moça e no destino do tarado, com ares de Don Juan de subúrbio. Fechei o livro e olhei para a mulher.

Apontou a capa vermelha e perguntou se eu tinha gostado da novela.

“Muito”, eu murmurei.

Então ela descruzou as pernas, levantou e sentou-se diante de mim. Eu podia sentir o perfume da maquiagem, o aroma da máscara. Vi os olhos de egípcia tentando perfurar minha alma. Com uma voz forte, tensa, ela disse:

“Sou a autora. Usei um pseudônimo masculino. Agora vou contar a verdadeira história dessa moça que surgiu do nada.”
Milton Hatoum, "Um solitário à espreita"

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