Maithili Joshi |
Há seiscentos anos um homem era o que o seu nascimento demarcava para ele. Satanás e a Igreja, representante de Deus, lutavam por ele. Ele, pela sua escolha, decidia em parte qual seria o resultado. Mas quer fosse, depois da morte, para o céu ou para o inferno, o seu lugar entre os vivos estava marcado. Não podia ser contestado. Desde então o palco foi novamente arranjado e os seres humanos apenas passeiam nele e, sob este novo ponto de vista, temos uma história à qual responder. Éramos outrora suficientemente importantes para que as nossas almas fossem objeto de luta. Agora cada qual é responsável pela sua própria salvação, que está na sua grandeza. E isso, essa grandeza, é a rocha sobre a qual se fere o nosso coração. Rodeiam-nos grandes inteligências, grandes belezas, grandes amantes e criminosos. Da grande tristeza e desespero dos Werthers e dos Don Juans passamos para as grandes figuras dominantes dos Napoleões; desses passamos para os assassinos que tinham que tinham esse direito sobre as vítimas; aos homens que se sentiam privilegiados por se aproximarem dos outros com um chicote; aos rapazes das escolas e aos funcionários que rugem como leões enfurecidos; a esses proxenetas e outras criaturas dos bas-fond oradores nas cafeterias noturnas que acreditavam que poderiam ser grandes na traição e que poderiam torcer o pescoço daqueles que sentiam ser puros e bons com o laço da sua morbidez; aos sonhos de sombras lindíssimas que se abraçavam num ecrã impecável. Odiamo-nos terrivelmente e punimo-nos por causa destas coisas. O medo de ficar para trás persegue-nos e enlouquece-nos. O medo está em nós como uma nuvem. Forma um clima interior de escuridão. E há ocasionalmente uma tempestade, e ódio, e chuva que fere, a brotar de nós.
Saul Bellow, "Na corda bamba"
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