Na verdade não conheci meu avô materno, apenas a avó magra e sempre doente, que, entretanto, não recordo aqui, mas em nossa casa de Cachoeira. De tudo ficou apenas a grande mesa escura.
Há nomes gravados a canivete, eu sei; vejo aqui o nome de um primo irmão; se eu afastasse esse saco de milho talvez encontrasse também o meu; talvez tenha sumido. Olho o pequeno córrego que vem murmurando no meio do matinho (tinha sanguessugas), depois desce pelas pedras. Não me lembro de muitas árvores, me lembro muito bem daquele bambual na curva do morro, no caminho da fazenda chamada do Espírito Santo, onde nasceram meus irmãos; depois o caminho entrava na mata, era fresquinho, a gente parava o cavalo num córrego para ele beber água, ouço as patas do animal dentro da água, vejo a água escorrendo dos freios — “ruma, cavalo!” —, as patas pisavam com mais força — “bloc bloc bloc” — na água e na lama, o cavalo galgava a margem do outro lado, então a gente sentia vontade de dar um galope.
De repente me assaltam essas recordações, outras recordações: tio Adrião estava brigado com meu pai...
Antes de passar o moinho de fubá ainda olho a velha casa, tão triste agora sem sua varanda; lembro as grandes tempestades de verão, as nuvens pretas se juntando em cima da pedra do Frade, túmidas de raios e trovões. Qualquer hora o casarão se abaterá para sempre, como velhas árvores já se abateram. Como o velho Coelho e todos os seus filhos homens já morreram — como seu neto, cansado e sem remorso, também pode morrer.
Rubem Braga, "A traição das elegantes"
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