terça-feira, agosto 30

Censura na Bitínia

Já aludi em outro lugar à pálida vida cultural deste país, ainda baseada em mecenatismos e entregue ao interesse de pessoas endinheiradas — ou simplesmente a profissionais e artistas, especialistas e técnicos, todos muito bem pagos.

Particularmente interessante é a solução que foi proposta, ou melhor, que foi espontaneamente imposta ao problema da censura. No final da década passada, a “necessidade” de censura assistiu, por vários motivos, a um notável crescimento na Bitínia; em poucos anos os escritórios centrais existentes tiveram que dobrar seus organismos, estabelecendo filiais periféricas em todas ou quase todas as capitais de província. Havia ainda uma dificuldade crescente em recrutar o pessoal necessário: em primeiro lugar, porque o ofício de censor, como se sabe, é difícil e delicado, pois demanda uma preparação específica, difícil de ser encontrada até mesmo em pessoas altamente qualificadas noutras áreas; além disso, porque o exercício da censura, pelo que mostram estatísticas recentes, não é isento de perigos.

Não quero fazer referência aqui aos riscos de represálias imediatas, que a eficiente polícia bitinense reduziu a quase nada. Trata-se de outra coisa: acurados estudos de medicina do trabalho desenvolvidos na região lançaram luz sobre uma forma específica de deformidade profissional, bastante molesta e aparentemente irreversível, que foi denominada por seu descobridor de “distimia paroxística” ou “morbo de Gowelius”. Ela se manifesta por um quadro clínico inicialmente vago e mal definido; depois, com o passar dos anos, por vários distúrbios relacionados aos sentidos (diplopia, distúrbios do olfato e da audição, reatividade excessiva a, por exemplo, algumas cores ou sabores); e frequentemente resulta, após remissões e recaídas, em graves anomalias e perversões psíquicas.

Como consequência, não obstante os elevados salários que eram oferecidos, o número de candidatos aos concursos estatais decresceu rapidamente, e a carga de trabalho dos funcionários de carreira aumentou proporcionalmente até atingir patamares nunca vistos. As matérias pendentes (copiões, partituras, manuscritos, obras figurativas, esboços de manifestos) se acumularam a tal ponto nos escritórios da censura que literalmente bloquearam não só os arquivos destinados a esse fim, mas também os vestíbulos, os corredores, os locais reservados aos serviços de limpeza. Registrou-se o caso de um chefe de seção que foi sepultado por um desabamento e morreu sufocado antes que chegassem os socorros.

Num primeiro momento, remediou-se o caso com a mecanização. Cada sede foi dotada de modernos aparelhos eletrônicos: sendo eu um leigo na matéria, não poderia descrever com exatidão o seu funcionamento, mas me disseram que a memória magnética desses instrumentos continha três listas distintas de vocábulos — hints, plots, topics — e módulos de referência. Os da primeira lista, caso fossem encontrados, eram automaticamente eliminados da obra examinada, os da segunda implicavam a recusa integral da mesma; os da terceira, a prisão imediata e o enforcamento do autor e do editor.

Os resultados foram ótimos no que diz respeito à quantidade de trabalho que podia ser absorvida (em poucos dias os locais dos escritórios foram desocupados), mas muito inferiores quanto ao aspecto qualitativo. Houve casos de lapsos clamorosos: “passou”, foi publicado e vendido com sucesso estrepitoso o Diário de uma periquita, de Claire Efrern, obra de duvidoso valor literário e abertamente imoral, cuja autora, com artifícios absolutamente elementares e transparentes, havia mascarado, mediante alusões e perífrases, todos os pontos lesivos da moral comum do momento. Por outro lado, assistiu-se ao doloroso caso Tuttle: o coronel Tuttle, ilustre crítico e historiador militar, teve que subir ao patíbulo porque num dos seus volumes sobre a campanha no Cáucaso a palavra “regimento” foi alterada para “regipento”, devido a uma gralha banal, em que no entanto o centro de censura automatizada de Issarvan percebeu uma alusão obscena. Ao mesmo destino trágico escapou milagrosamente o autor de um modesto manual de criação de gado, que teve meios de fugir para o exterior e recorrer ao Conselho de Estado antes que a sentença fosse executada.

Esses três episódios, todos eles notórios, foram seguidos de numerosíssimos outros, noticiados de boca em boca, mas oficialmente ignorados porque (obviamente) sua divulgação veio a cair nas malhas da censura. Disso resultou uma situação de crise, com deserção quase total das forças culturais do país — situação que, apesar de algumas tímidas tentativas de ruptura, permanece até hoje.

Porém, nessas últimas semanas, correu uma notícia que promete alguma esperança. Um fisiologista, cujo nome foi mantido em segredo, revelou ao cabo de um amplo ciclo de experiências alguns novos aspectos da psicologia dos animais domésticos, desencadeando uma grande polêmica. Esses animais, se submetidos a um condicionamento específico, seriam capazes não só de aprender trabalhos fáceis de transporte e de organização, mas também de fazer autênticas escolhas.

Trata-se certamente de um campo vastíssimo e fascinante, de possibilidades praticamente ilimitadas; em suma, desde que foi publicado na imprensa bitinense até o momento em que escrevo, o trabalho de censura, que prejudica o cérebro humano — e que as máquinas despacham de maneira muito rígida —, poderia ser confiado com vantagens a animais devidamente adestrados. Bem observada, a desconcertante notícia não tem em si nada de absurdo — já que, em última análise, trata-se apenas de uma escolha.

É curioso que, para essa tarefa, os mamíferos mais próximos do homem tenham sido considerados menos aptos. Submetidos ao processo de condicionamento, cães, macacos e cavalos se demonstraram maus juízes, precisamente porque muito inteligentes e sensíveis; segundo o estudioso anônimo, eles se comportam de modo muito passional, reagem de maneira imprevisível a mínimos estímulos estranhos, mas inevitáveis em qualquer ambiente de trabalho; demonstram estranhas preferências, talvez congênitas e ainda inexplicáveis, por algumas categorias mentais; até sua memória é incontrolável e excessiva; enfim, eles revelam nessas circunstâncias um esprit de finesse que, para fins de censura, é sem dúvida pernicioso.

Todavia resultados surpreendentes foram obtidos com a galinha doméstica, tanto que quatro escritórios experimentais foram sabidamente confiados a equipes de galináceos, sob a supervisão e o controle de funcionários de comprovada experiência. Além de serem facilmente encontradas e de terem um custo moderado, tanto em investimento inicial quanto em manutenção, as galinhas são capazes de escolhas rápidas e seguras, limitam-se escrupulosamente aos esquemas mentais que lhes são impostos e, haja vista o seu caráter frio e tranquilo e a sua memória evanescente, não são sujeitas a perturbações.

É opinião comum nesses ambientes que, dentro de poucos anos, o método será estendido a todos os departamentos de censura do país.

Verificado pela censura:


Primo Levi, "71 contos de Primo Levi"

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