terça-feira, novembro 30

Algo talvez poético

Tinha fé ainda na poesia aos oitenta anos, mas ela já o havia trocado por meia dúzia de rapagões de vinte.

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Poetas antigos, quando lhes dói o calo, sabem que é dia de arco-íris.

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Mundo, mundo, vasto mundo, Raimundo pode ser uma boa rima, porém não chega a ser um Drummond.


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A poesia, se não for essencial, há de ser ao menos especial. Um prosador pode dar-se ao luxo de não trazer um pássaro para o seu texto. Um poeta não merecerá o nome se não arranjar para o pássaro a melhor árvore de seu poema e não o fizer cantar.

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A virtude está no meio. A mediocridade também.

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De tanto ver triunfar nulidades, reuni meus zeros e me candidatei.

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Sou um idiota como qualquer outro. Com uma agravante: penso que sei fazer poesia.

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Versejar tem alguma coisa a ver com a poesia, embora cada vez menos.

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Foi um defunto tão desmazelado que parecia estar numa peça e ser um ator que tivesse faltado aos ensaios.

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O velho diz amor e a brisa que ontem se amornaria agora se encolhe e fica gelada como se fosse tocada por um defunto.

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Os tempos antigos também não tinham solução para o vazio da vida, mas sabiam fingir melhor.

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Ela se lembra dele com ternura. Que homem. Tratava-a como rainha. Dava-lhe tudo, ou tentava. Se ela lhe pedia algo salgado, ele perguntava se servia o mar.

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Certas noites ele ainda sonha com mulheres. Elas estão sempre se queixando porque ele ou não fez alguma coisa ou a fez muito mal.
Raul Drewnick

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