Estava solitário, mas não triste; lembrei o velho dito dos bêbedos: “A noite ainda é uma criança.”
Mas o tempo avança. Agora medito no seio de uma noite madura, como à sombra de uma grande árvore; de raro em raro, madura demais, cai uma estrela e se perde na escureza do céu ou do chão. Quase não vejo o mar, apenas o pressinto e o sei arfando lânguido, sem vento.
Deus me pôs nesta rede a olhar a noite. Não tenho sono nem vontade de sair; não telefonarei para ninguém. Sou como um débil mental a quem houvessem dado o emprego de fiscalizar as estrelas, e acompanho com paciência sua marcha lenta. Devo dizer que estão se comportando bem, tanto as mais novas como as mais velhas; andam de leste para oeste de maneira morosa e sensata, guardando com atenção as respectivas distâncias. Se o major-fiscal me telefonar direi que não há nenhuma alteração. O nascimento da lua está marcado para as 24h45m da madrugada; espero que seja pontual e não me dê aborrecimentos. O número de estrelas cadentes é diminuto.
Informarei: “Pequenas baixas; o desperdício de estrelas durante a noite a meu cargo foi mínimo e, creio, inevitável; nosso estoque é imenso, senhor major.” O major comunicará ao coronel, este ao general, este ao Presidente da República. O Presidente da República expedirá mensagens congratulatórias a Deus e a Albert Einstein, no Paraíso.
Adormeço na rede, e desperto assustado; mas o céu está em ordem, e as estrelas marcham sempre na mesma direção, como crianças bem-comportadas. Deus me pôs nesta rede, e o Diabo me fez dormir. Felizmente a lua ainda não nasceu. Risco um fósforo para olhar meu relógio (“a opinião do prefeito de Genebra sobre a hora de Ipanema”), meu famoso relógio antimagnético, antiatômico e antilírico, e suspiro aliviado; ainda faltam 18 minutos para o nascimento da lua.
Levanto-me e tomo posição em outro ângulo da varanda, murmurando: “Vamos providenciar isso.”
Rubem Braga
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