domingo, novembro 21

Assim começa...

Em torno da sepultura, no cemitério malcuidado, reuniam-se alguns de seus ex-colegas de trabalho da agência publicitária nova-iorquina, relembrando sua energia e originalidade e dizendo a sua filha, Nancy, como fora divertido trabalhar com ele. Havia também pessoas que tinham vindo de carro de Starfish Beach, a comunidade de aposentados na costa de Nova Jersey onde ele morava desde o Dia de Ação de Graças de 2001 — os idosos que recentemente tinham sido seus alunos num curso de pintura. Vieram também os dois filhos, Randy e Lonny, homens de meia-idade, filhos do turbulento primeiro casamento, que eram muito próximos à mãe e que, em consequência disso, do pai conheciam pouco de bom e muito de péssimo, e só estavam ali por obrigação, mais nada. O irmão mais velho dele, Howie, e sua cunhada também estavam presentes, tendo vindo da Califórnia de avião na véspera; e também uma de suas três ex-esposas, a do meio, a mãe de Nancy, Phoebe, uma mulher alta, magérrima, de cabelo branco, cujo braço direito pendia inerte ao longo do corpo. Quando Nancy lhe perguntou se ela queria dizer alguma coisa, Phoebe balançou a cabeça, tímida, mas logo em seguida começou a falar em voz baixa, uma fala um pouco arrastada. “É muito difícil de acreditar. Fico lembrando o tempo todo dele nadando na baía — só isso. É o que vejo, ele nadando na baía.” E mais Nancy, que havia negociado com a agência funerária e telefonado para as pessoas que compareceram ao enterro, para que não estivessem presentes apenas ela, sua mãe, o irmão e a cunhada dele. Havia uma única pessoa presente que não tinha sido convidada, uma mulher atarracada com um rosto redondo e simpático, de cabelo pintado de ruivo, que simplesmente apareceu no cemitério e 10 apresentou-se como Maureen, a enfermeira particular que havia cuidado dele após a cirurgia do coração, anos antes. Howie lembrava-se dela, e foi dar-lhe um beijo no rosto. 

Nancy disse a todos: “Eu queria começar falando alguma coisa a respeito deste cemitério, porque descobri que o avô do meu pai, meu bisavô, não apenas está enterrado na parte mais antiga, ao lado de minha bisavó, como também foi um dos seus fundadores, em 1888. A associação que financiou e construiu este cemitério era formada pelas sociedades funerárias das organizações beneficentes e congregações judaicas dos condados de Union e Essex. Meu bisavô era dono de uma pensão em Elizabeth, que recebia principalmente imigrantes recém-chegados, e ele se preocupava muito com o bem-estar deles, mais do que se espera de um dono de pensão. É por isso que ele estava entre os que compraram a terra e aplainaram o terreno e fizeram o tratamento paisagístico, é por isso que atuou como primeiro diretor do cemitério. Na época, era relativamente jovem, mas tinha muito vigor, e o nome dele é o único que assina o documento em que está especificado que o cemitério se destinava a ‘enterrar os sócios falecidos de acordo com as leis e os rituais do judaísmo’. Como vocês podem ver, a manutenção dos túmulos, da cerca e dos portões não é mais como deveria ser. Há coisas apodrecidas e despencadas, os portões estão enferrujados, as trancas desapareceram, houve vandalismo. Com o tempo, o cemitério ficou muito próximo ao aeroporto, e o ruído distante que vocês estão ouvindo é do tráfego constante dos carros na rodovia expressa de Nova Jersey. Naturalmente, de início pensei nos lugares realmente bonitos em que meu pai poderia ser enterrado, os lugares onde ele e minha mãe iam nadar quando eram jovens, as praias que ele frequentava. No entanto, por mais triste que eu fique quando olho à minha volta e vejo toda essa deterioração — vocês provavelmente também sentem o mesmo, e talvez até se perguntem por que é que estamos reunidos num cemitério tão maltratado pelo tempo —, queria que meu pai ficasse junto das pessoas que o amaram e das quais descendeu. Ele amava seus pais, e é importante que 11 fique perto deles. Eu não queria que ficasse em outro lugar, sozinho”. Nancy permaneceu em silêncio por um momento para controlar as emoções. Uma mulher de trinta e poucos anos, de rosto suave, de uma beleza simples, tal como sua mãe outrora, ela não parecia de modo algum uma pessoa investida de autoridade, nem mesmo corajosa; mais parecia uma menina de dez anos sem saber o que fazer. Virando-se para o caixão, pegou um punhado de terra e, antes de lançá-lo sobre a tampa, disse com simplicidade, ainda com um ar de menina perplexa: “Pois é, é isso. Não há mais nada que a gente possa fazer, papai”. Então lembrou-se da máxima estoica de seu pai, de tantos anos atrás, e começou a chorar. “Não há como refazer a realidade”, disse ela ao pai. “O jeito é enfrentar. Segurar as pontas e enfrentar.”

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