quarta-feira, novembro 17

Assim começa...

O primeiro som da manhã eram as batidas dos tamancos das moças da fábrica de tecidos, caminhando pela rua de pedras. Antes disso, suponho, havia os apitos da fábrica, mas eu ainda não estava acordado para ouvir.

Em geral éramos quatro homens no quarto — e que quarto sórdido era aquele, com a aparência degradada de um lugar provisório, que não está servindo para o seu devido fim. Anos antes a casa havia sido uma residência normal, e, quando os Brooker foram morar lá e a transformaram em pensão e tripe shop (açougue especializado em tripa), herdaram alguns móveis inúteis e nunca tiveram energia para tirá-los dali. Assim, dormíamos em um lugar que ainda era, reconhecivelmente, uma sala de estar. Pendurado no teto havia um pesado candelabro de vidro, no qual o pó acumulado era tão espesso que parecia o pelo de um animal. Contra uma parede, um móvel enorme, horroroso — algo entre armário e divisória, com muitos entalhes, gavetinhas e espelhinhos. Havia ainda um tapete, que no passado exibira cores vistosas, cheio de manchas redondas causadas por anos e anos de penicos e baldes com detritos, duas cadeiras douradas com os assentos arrebentados e uma daquelas poltronas antiquadas, estofada com crina de cavalo, onde a pessoa escorrega quando vai sentar. A sala tinha sido transformada em dormitório com a ajuda de quatro camas desconjuntadas, enfiadas no meio de todas essas tranqueiras.

Minha cama ficava no lado direito, perto da porta. Havia outra cama na transversal, muito apertada contra a minha (tinha que ficar nessa posição para que a porta pudesse abrir), de modo que eu precisava dormir com as pernas dobradas; se tentasse esticá-las, acabava chutando as costas do ocupante da outra cama. Era um homem idoso chamado sr. Reilly, uma espécie de mecânico que trabalhava “em cima”, isto é, no escritório de uma mina de carvão, não no poço. Por sorte ele ia trabalhar às cinco da manhã, de modo que depois que ele saía eu podia esticar as pernas e dormir decentemente por umas duas horas. Na cama do lado oposto havia um mineiro escocês que tinha sofrido um acidente na mina (ficou preso no chão por uma pedra enorme que caiu em cima dele, e demorou umas duas horas até que os outros conseguissem tirá-la de lá); assim, tinha recebido quinhentas libras de indenização. Era um homem alto, bonitão, de seus quarenta anos, de cabelo grisalho e bigode aparado, mais parecendo um sargento do que um mineiro, e costumava ficar deitado até tarde, fumando seu cachimbo. A outra cama era ocupada por uma sucessão de caixeiros-viajantes, vendedores de assinaturas de jornal e propagandistas de lojas, que em geral ficavam uma ou duas noites. Era uma cama de casal, de longe a melhor do quarto. Eu mesmo dormi nela na primeira noite, mas fui tirado de lá para dar lugar a outro pensionista. Creio que todos os recém-chegados passavam a primeira noite na cama de casal, que servia, digamos, como isca. Todas as janelas ficavam sempre bem fechadas e presas por um saco vermelho de areia, e de manhã o quarto fedia como uma gaiola de gambá. A gente não notava ao acordar, mas, se saísse do quarto e depois voltasse, era atingido pelo cheiro como um soco na cara.

Nunca descobri quantos quartos havia na casa, mas é estranho dizer que havia um banheiro que datava de antes do tempo do casal Brooker. Embaixo havia a costumeira sala e cozinha, com um enorme fogão a carvão, com o fogo sempre ardendo, noite e dia. Era iluminada apenas por uma claraboia, pois de um lado havia a tripe shop e do outro lado a despensa, que se abria para um subterrâneo escuro onde se guardavam os estoques de tripa. Tapando essa porta da despensa, havia um sofá disforme no qual a sra. Brooker, a dona da pensão, jazia permanentemente doente, em meio a vários cobertores encardidos. Tinha uma cara redonda, pálida, amarelada e ansiosa. Ninguém sabia com certeza qual era o seu problema; desconfio que era apenas comer demais. Na frente da lareira, havia quase sempre uma corda com roupas para secar, e no meio da sala a grande mesa da cozinha, onde a família e os pensionistas comiam. Nunca vi essa mesa totalmente descoberta, com o tampo nu, mas vi diversas toalhas e coberturas em diferentes ocasiões.

Por baixo havia uma camada de jornais velhos manchados de molho; em cima disso, um oleado branco e grudento; em cima disso, um pano verde; e, em cima disso, outro pano de tecido rústico, que nunca era trocado e poucas vezes saía de lá. Em geral as migalhas do café da manhã ainda estavam na mesa na hora do jantar. Eu conhecia várias delas de vista e acompanhava suas andanças na mesa, para lá e para cá, ao longo dos dias.

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