segunda-feira, novembro 22

Da impossibilidade de conhecer a história dos homens

Rudolf Koivu
Quando o jovem príncipe Zémire sucedeu ao seu pai, no trono da Pérsia, chamou todos os académicos do seu reino e, tendo-os reunido, disse-lhes:


- “O Doutor Zeb, meu mestre, ensinou-me que os soberanos se exporiam a menos erros se fossem esclarecidos pelo exemplo do passado. Eis por que quero estudar os anais dos povos. Incumbo-vos, pois, de comporem uma história universal e de nada negligenciarem, para que ela resulte completa.”

Os sábios prometeram satisfazer o desejo do príncipe e, tendo-se retirado, meteram mãos à obra. Ao fim de vinte anos, apresentaram-se ao rei, seguidos por uma caravana de doze camelos, carregando cada um deles quinhentos volumes. O secretário da academia, tendo-se prostrado nos degraus do trono, falou nestes termos:

- “Senhor, os académicos do vosso reino têm a honra de depositar aos vossos pés a história universal que compuseram, à atenção de Vossa Majestade. Ela compreende seis mil tomos e engloba tudo o que nos foi possível reunir, no que respeita aos costumes dos povos e às vicissitudes dos impérios. Inserimos nela as antigas crónicas que foram felizmente preservadas e enriquecemo-las com notas sobre a geografia, a cronologia e a diplomacia. Os prolegómenos formam, por si só, o carregamento de um camelo e os paralipómenos são carregados, com grande dificuldade por outro camelo.”

O rei respondeu:

- “Meus senhores, agradeço-vos o incómodo que vos causei. Mas estou muito ocupado com os cuidados do governo. De resto, envelheci enquanto fazíeis o vosso trabalho. Já cheguei, como diz o poeta persa, ao meio do caminho da vida e, mesmo supondo que morro velho, não posso razoavelmente esperar ter tempo para ler uma história tão longa. Ela será, pois, depositada nos arquivos do reino. Façam-me um resumo mais proporcionado à brevidade da existência humana:”

Os académicos da Pérsia trabalharam mais vinte anos, levando depois ao rei mil e quinhentos volumes, carregados por três camelos.

- “Senhor”, disse o secretário perpétuo, com uma voz enfraquecida, “eis a nova obra. Julgamos não ter omitido nada de essencial.”

- “Pode ser que sim”, respondeu o rei, “mas não vou lê-la. As tarefas longas não dizem com a minha idade: resumi mais e sem demora.”

Eles demoraram tão pouco que, ao fim de dez anos, voltaram seguidos por um elefante jovem, carregando quinhentos volumes.

- “Gabo-me de ter sido sucinto”, disse o secretário perpétuo.

- “Não o fostes suficientemente”, respondeu o rei. “Cheguei ao fim da vida. Resumi, resumi, se quiserdes que eu conheça, antes de morrer, a história dos homens.”

Voltou a ver-se o secretário perpétuo, diante do palácio, ao fim de cinco anos. Caminhando com muletas, ele trazia, pela arreata, um burrico que carregava um livro enorme.

- “Apressai-vos”, disse um funcionário, “o rei está mesmo a morrer.”

De facto, o rei encontrava-se no leito de morte. Dirigiu ao académico e ao enorme livro um olhar quase apagado e disse, suspirando:

- “Vou morrer sem conhecer a história dos homens!”

- “Senhor”, respondeu o sábio, quase tão moribundo como o rei, “vou-vo-la resumir em três palavras: Eles nasceram, sofreram e morreram”

Foi assim que o rei da Pérsia aprendeu, já tarde, a história universal.
Anatole France, "As opiniões de M. Jerôme Goignard "

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