Os brancos entravam, olhavam ao redor e apontavam os pretos pelos quais se interessavam. Então, um dos empregados se aproximava dos pretos e batia em seus ombros com uma vara ou gritava de longe para que eles se aproximassem, caso já entendessem o português. Não importando se era homem, mulher ou criança, o comprador apalpava-lhes todo o corpo e os fazia erguer os braços e mostrar as plantas dos pés, como a minha avó tinha feito em Uidá. O empregado do armazém batia com um chicote em suas pernas e eles tinham que pular, para ver se reagiam rápido, e depois tinham que abrir a boca e mostrar os dentes, para então gritar o mais alto que podiam. Senti vontade de rir quando vi este ritual pela primeira vez, talvez mais pelo nervoso de saber que também teria que passar por ele, mas desejando que acontecesse logo, que eu fosse logo escolhida e levada embora. Caso contrário, estaria condenada a ficar, quem sabe, até morrer, visto que a grande maioria dos compradores não se interessava por crianças. Quase todos os que tinham chegado junto comigo foram vendidos ainda de manhã, o que fazia aumentar a tristeza, o desânimo e o ódio dos que permaneciam. Sabendo das poucas chances que eu teria e que não deveria perder nenhuma delas, tentei me manter limpa e demonstrar alegria, pois percebi que a aparência contava muito. Primeiro foram vendidos os homens e as mulheres que estavam mais bem compostos e pareciam mais saudáveis, risonhos até, orgulhosos de serem escolhidos antes dos outros.
No meio da tarde eu já sentia muita fome, pois a comida não tinha dado para todo mundo. Os que estavam ali antes da nossa chegada foram os únicos a se servir, e em quantidades moderadas. Foi quando entrou um homem muito distinto, de meia-idade, seguido de perto por dois pretos também alinhados, embora tivessem os pés descalços. Ele pediu uma preta que soubesse cozinhar e algumas se apresentaram, voluntariamente ou depois de serem chamadas pelo empregado do barracão, que primeiro tentava vender as peças mais antigas, que os compradores recusavam para escolher as que estavam em melhores condições. Acabou sendo escolhida uma senhora que tinha viajado no meu navio, uma que eu vi chorando no dia em que levaram o marido morto para ser jogado no mar. Depois, o homem pediu um preto que entendesse de pescaria, e como já não havia mais homens da nova leva, ficou com um dos antigos que, na verdade, não tinha nada de antigo, era bem moço ainda, embora magro e maltratado. Quando parecia que já estava se preparando para ir embora, feliz com a compra, correu os olhos pelo armazém, como quem procura uma vaca entre carneiros, parou e apontou a bengala na minha direção.
Antes que ele se arrependesse, e antes mesmo que me chamassem, corri para ele e me apressei a fazer todo o procedimento, o que me valeu uma chicotada de reprimenda por parte do empregado, mas também algumas risadas de todos que estavam prestando atenção. Isso porque nem todos prestavam atenção, alguns pareciam completamente indiferentes em relação ao próprio destino, não se importando se fossem comprados ou não, se vivessem ou não. Mas eu queria viver e consegui arrancar uma gargalhada daquele que seria meu futuro dono, o que foi um sinal de permissão para que todos fizessem o mesmo. Logo o armazém tinha uma atmosfera menos triste, onde ecoavam algumas risadas tímidas e outras bem escandalosas. Como percebi que estava agradando, resolvi continuar. Dava um salto, levantava os braços, mostrava a planta dos pés, punha a língua para fora, berrava, corria ao redor de um círculo imaginário, me agachava e ficava de pé, dava pulos no ar e repetia tudo em seguida. Eu já estava ficando cansada quando o homem também se cansou de rir e passou a conversar em português com o empregado, e eu sabia que estava perguntando o meu preço.
Fiquei muito feliz por ter sido aceita e me lembrei da minha mãe, da minha avó, da Taiwo e do Kokumo, e achei que eles também teriam rido se tivessem visto o que eu tinha acabado de fazer, e que estariam mais felizes ainda por eu ter sido escolhida no meu segundo dia no armazém. Mesmo não sendo mais para presente, eu não ia virar carneiro.
O homem que tinha acabado de me comprar sentou-se ao lado de uma mesa que servia de escritório em um dos cantos do armazém, onde ele e um dos empregados trataram da assinatura dos títulos de compra e venda. Os dois pretos que o acompanhavam já sabiam o que fazer e logo nos amarraram, eu, a cozinheira e o pescador, e nos levaram para perto da mesa, onde quiseram saber os nossos nomes, os nomes de branco que tínhamos recebido em África ou na Ilha dos Frades. O do pescador era Afrânio, e então passou a se chamar Afrânio Gama, e a cozinheira ficou sendo Maria das Graças Gama. Quando eu disse que me chamava Kehinde, o nosso dono pareceu ficar bravo, e um dos empregados perguntou novamente, em iorubá, que nome tinham me dado no batismo. Eu repeti que meu nome era Kehinde e não consegui entender o que diziam entre eles, enquanto o empregado procurava algum registro na lista dos que tinham chegado no dia anterior. O que sabia iorubá disse para eu falar o meu nome direito porque não havia nenhuma Kehinde, e eu não poderia ter sido batizada com este nome africano, devia ter um outro, um nome cristão. Foi só então que me lembrei da fuga do navio antes da chegada do padre, quando eu deveria ter sido batizada, mas não quis que soubessem dessa história. A Tanisha tinha me contado o nome dado a ela, Luísa, e foi esse que adotei. Para os brancos fiquei sendo Luísa, Luísa Gama, mas sempre me considerei Kehinde. O nome que a minha mãe e a minha avó me deram e que era reconhecido pelos voduns, por Nanã, por Xangô, por Oxum, pelos Ibêjis e principalmente pela Taiwo. Mesmo quando adotei o nome de Luísa por ser conveniente, era como Kehinde que eu me apresentava ao sagrado e ao secreto.
Ana Maria Gonçalves, "Um defeito de cor"
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