Ele viu movimento entre os troncos das árvores, e logo em seguida dois homens apareceram no alto da trilha. Um deles usava um longo cajado para se apoiar ao caminhar, o outro o ajudava a descer pela trilha. O homem com o cajado tinha uma perna cortada na altura do joelho.
Aqueles homens não se pareciam nem um pouco com a imagem que Isaku fazia de um agente de companhia de transporte. Sem dúvida eles não iriam enviar um homem deficiente para realizar aquele tipo de trabalho. Além disso, aqueles homens pareciam ser pobres, suas roupas eram pouco mais que farrapos.
Os dois homens pararam alguns metros adiante, olhando alternadamente para a aldeia e para o mar, antes de se deixar cair de joelhos no chão, soluçando.
A mãe de Isaku saiu da casa e caminhou na direção deles. Isaku a seguiu enquanto homens e mulheres saíram de suas casas e seguiram pela trilha na montanha. O cansaço que ele sentira antes desapareceu completamente quando viu uma mulher correr à frente e abraçar o homem com o cajado.
— Alguém voltou da servidão — disse a mãe dele, apertando o passo.
O pai de Isaku tinha mais um ano de contrato, ainda, portanto não era ele. Isaku seguiu a mãe e os outros da aldeia. Os dois homens estavam agora sentados no chão, os rostos de um tom escuro de vermelho, as faces encovadas e magras. Isaku não reconheceu nenhum dos dois homens, que deviam estar na casa dos quarenta, um completamente grisalho, o outro quase calvo.
Tinham retornado depois de terminar seus contratos de dez anos. O povo da aldeia ficou surpreso de ver como os dois estavam envelhecidos, obviamente um indício de como haviam trabalhado além de suas forças. O homem com o cajado tinha ido para a floresta derrubar árvores debaixo de neve e caíra de um penhasco quando carregava a lenha de volta. Ele ficara inconsciente e fora salvo apenas porque os outros homens foram procurá-lo. Eles o encontraram dois dias depois, enterrado na neve até a cintura. Enquanto os outros ferimentos que havia sofrido na queda haviam sarado, o pé esquerdo, que ficara sob a neve, desenvolvera uma gangrena. Como isso poderia levar à morte, tinham lhe amputado a perna abaixo do joelho. Aleijado como estava, ele tinha mesmo muita sorte por ter voltado vivo para a aldeia.
O pai de Isaku estava trabalhando no mesmo porto que os dois homens, portanto naquela noite a mãe dele foi perguntar como estava o marido.
Ela voltou cerca de uma hora depois, serviu-se de um pouco de vinho e sentou-se perto do fogo.
Isaku desconfiou que algo estava errado quando viu a expressão preocupada da mãe. Talvez os homens tivessem trazido más notícias sobre seu pai. Talvez seu pai já estivesse morto. Nervoso, ele se aproximou da mãe quando ela começou a tomar o vinho.
— Eles disseram alguma coisa sobre papai?
— Disseram que ele está bem... — murmurou a mãe, os olhos fixos nas chamas.
Isaku sentiu um grande alívio e sentou-se junto do fogo.
— Eles disseram que ele trabalha tanto que as pessoas da agência de transporte estão interessadas nele. Disseram que seu pai é um homem forte, que encoraja os outros da aldeia, que os ajuda. Mas eles disseram que seu pai está preocupado conosco, que espera que estejamos todos bem... — Ela tomou um gole do vinho.
Sua mãe devia estar pensando em Teru. Pensando que tinha deixado a pequena Teru morrer e sentindo que havia desapontado o marido. Ela devia estar se sentindo arrasada por não ter podido fazer nada. O vinho era a forma de ela afogar as tristezas.
Isaku sentou-se em silêncio, olhando para o fogo. Imaginou Teru, lá longe no mar, sob a água, vestida com roupas transparentes, um sorriso gentil no rosto. A morte de Teru fora algo que a mãe não tivera como evitar, e seu pouco tempo na terra devia ser o tempo que sua vida estava destinada a durar. Sim, ela podia ter morrido, mas estar rodeada pelos espíritos dos ancestrais significava que agora não estava sozinha ao descansar pacificamente lá longe no fundo do mar.
— Papai vai voltar na próxima primavera. Só temos de nos aguentar mais um pouco — disse Isaku, colocando outro pedaço de lenha no fogo.
A mãe não disse nada, e lentamente passou a cuia com o vinho para Isaku. Ele sentiu a emoção crescer dentro de si. Era a primeira vez que a mãe demonstrava alguma afeição por ele desde que seu pai havia partido. Isaku sentiu que agora a mãe o reconhecia como alguém em quem podia confiar.
Ele tomou um gole do vinho e o devolveu à mãe.
Isokichi murmurou algo enquanto dormia e virou-se. Ainda segurando o vinho, a mãe ficou ali olhando para o rosto de Isokichi, pálido à luz do fogo.
Akira Yoshimura, "Naufrágios"
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