sexta-feira, outubro 18

Minha rua querida

Era estreita a nossa rua. No verão de céu azul, os raios de sol coavam a manhã fresca. Não existiam fronteiras em nossa rua, pelo menos no quarteirão onde eu morava. As famílias pareciam uma só, tamanha a intimidade que existia entre elas. Havia convívio harmonioso entre os vizinhos, fosse dia de festa ou de tristeza.

No tempo das férias escolares, havia nos passeios jogo de tampilha, pião e leilão de brinquedos. Jogar bola de gude ou bola era no meio da rua. Natural que durante o jogo surgissem disputas acaloradas, bate-boca, empurrões e até briga. Em pouco tempo tudo voltava ao normal. Os dias retomavam a sua temperatura agradável, como se nada de mais houvesse acontecido entre os que brigavam durante o jogo de futebol. Agora de vez em quando um nariz podia ficar quebrado, ao receber um murro bem dado, só porque o amigo foi cair na besteira de ficar teimando e dizendo que ali na rua o estilingue mais certeiro não era o do meu irmão Orlando. No fim da tarde, o irmão chegava com a capanga cheia de passarinhos, eram abatidos com bala de estilingue no Jardim da Prefeitura ou em alguma roça próxima à cidade. O irmão no estilingue era mesmo um campeão. Ninguém ali na rua duvidasse da pontaria dele. Cada balaço que ele desferia acertava em passarinho pousado até em cocuruto de árvore alta.


Nossa rua ficava impregnada de um aroma verde, quando o homem passava com o tabuleiro de verduras na cabeça. Os ares coloridos, todos os dias, com o roxo da beterraba, o verde do repolho e o laranja da cenoura.

Era iluminada com a gritaria dos companheiros. Zoada havia de canto a canto. Corneta, apito, bangue-bangue, jogo de bola, pião rodava na mão e no chão.

Do que eu mais gostava era do jogo de bola. Quando a mulher gorda chegava no batente da porta, segurando a bola, que ela no mesmo instante furava, não encontrava um menino sequer pra perguntar quem foi o pestinho que acertou daquela vez a sua vidraça, dando-lhe outra vez um prejuízo danado.

Cedo, no outro dia, os companheiros voltavam ao jogo com bola de pano. Os lances aguerridos, rosto vermelho e suado, cabelos assanhados. Palavrão, bate-boca e, aos gritos, a comemoração da vitória.

A vidraça da janela de algum dos moradores de nossa rua não deixaria de ser acertada.

Ó que saudade da minha rua! Hoje, vejo-a estreita e nem tão comprida. Outrora tão grande para mim e os companheiros.

O mundo ali cabia dentro das cores da verdura no tabuleiro.

Bastava-se no leilão dos brinquedos, troca de gibi ou figurinhas do álbum de artistas do cinema americano, bala de estilingue nos quintais frutíferos, pra não se falar no jogo de bola.

Ah, viver era uma canção verde como verde todos os dias a gente ouvia a voz do verdureiro.

Verde na voz dos companheiros colhendo coentro nos passeios.

Abóbora nas valetas.

Couve-flor nos calçamentos.

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