Só que no quarto, nessa manhã da qual falamos, havia apenas o travesseiro que, como bom travesseiro, bocejou, se espreguiçou e estrilou:
- Ei, já ouvi, dá um tempo!
O relógio sorriu e disse:
- Então acorda e levanta, preguiçoso!
O travesseiro deu de fronha, digo, de ombros, e pensou em explicar ao relógio que cada um tem seu temperamento, seu jeito de levar a vida, mas desistiu.
Bocejou de novo, virou para o lado e logo adormeceu novamente.
O relógio comentou, sabendo que falava sozinho:
- Tem gente que não se emenda mesmo! Ele vai ver amanhã cedo. Vou tocar ainda mais alto para que ele acorde, se levante e assuma as suas responsabilidades.
O que o relógio não sabia – por isso o travesseiro desistiu de explicar – é que a maioria das pessoas ou é travesseiro ou é relógio.
Ou passam a vida dormindo demais. E daí perdem a chance de viverem a vida pra valer.
Ou então sempre de olho no tempo. E daí perdem o tempo acordadas e preocupadas.
Poucas são capazes de viver a vida como se deve:
Fazendo e curtindo tudo, mas repousando quando se deve, sem fazer nada.
Ás vezes, fazer nada é tudo de bom que se pode fazer por si mesmo e pelo outro, como numa chamada pra brigar, por exemplo.
Em outras vezes, fazer tudo às pressas e sem prazer é o mesmo que nunca fazer nada, como um idiota que constrói uma piscina e nunca tem tempo para dar um mergulho nela.
Ulisses Tavares. "A maravilhosa sabedoria das coisas: apólogos"
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