Necessário conhecermos a razão dos nossos entusiasmos, não nos comovermos à toa. Vamos ver se a página impressa é digna de admiração. Tratemos, pois, de adquiri-la: é para ser vendida que se exibe além do vidro. Terra de leitura escassa. Vemos filas para banha, açúcar, pão, carne, o diabo, mas não conceberíamos fila diante de uma livraria. Realmente ali não se vendem comestíveis. Contudo é bom um sujeito ler algumas vezes, ao menos para fingir importância na presença do chefe ou da namorada. Literatura ao alcance da massa? Muito bem. O livro está perto, à mão, na vitrina. Foi redigido cuidadosamente: no interior dele não há cercas de arame farpado, evitaram-se atoleiros, rios cheios, pedras escorregadias e pinguelas, enfim qualquer inteligência razoável pode transitar ali facilmente, por todos os lados. Agora esperemos que o homem do povo se mexa, dê alguns passos até o balcão da livraria, peça o volume. E pague, naturalmente, pois os cidadãos que mourejam naquilo não vivem no éter.
Graciliano Ramos, "Garranchos", trecho do discurso no Rio (1947)
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