quarta-feira, maio 18

Fobias

Não sei como se chamaria o medo de não ter o que ler. Existem as conhecidas claustrofobia (medo de lugares fechados), agorafobia (medo da espaços abertos), acrofobia (medo de altura) e as menos conhecidas ailurofobia (medo de gatos), iatrofobia (medo de médicos) e até a treiskaidekafobia (medo do número 13), mas o pânico de estar, por exemplo, num quarto de hotel, com insônia, sem nada para ler não sei que nome tem. É uma das minhas neuroses. O vício que lhe dá origem é a gutembergomania, uma dependência patológica na palavra impressa. Na falta dela, qualquer palavra serve. Já saí de cama de hotel no meio da noite e entrei no banheiro para ver se as torneiras tinham “Frio” e “Quente” escritos por extenso, para saciar minha sede de letras. Já ajeitei o travesseiro, ajustei a luz e abri uma lista telefônica, tentando me convencer que, pelo menos no número de personagens, seria um razoável substituto para um romance russo. Já revirei cobertores e lençóis, à procura de uma etiqueta, qualquer coisa.

Alguns hotéis brasileiros imitam os americanos e deixam uma Bíblia no quarto, e ela tem sido a minha salvação, embora não no modo pretendido. Nada como um best-seller numa hora dessas. A Bíblia tem tudo para acompanhar uma insônia: enredo fantástico, grandes personagens, romance, o sexo em todas as suas formas, ação, paixão, violência — e uma mensagem positiva. Recomendo “Gênesis” pelo ímpeto narrativo, “O cântico dos cânticos” pela poesia e “Isaías” e “João” pela força dramática, mesmo que seja difícil dormir depois do Apocalipse.
Mas e quando não tem nem a Bíblia? Uma vez liguei para a telefonista de madrugada e pedi uma Amiga.

— Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não fornece companhia feminina...

— Você não entendeu! Eu quero uma revista Amiga, Capricho, Vida Rotariana, qualquer coisa.

— Infelizmente, não tenho nenhuma revista.

— Não é possível! O que você faz durante a noite?

— Tricô.

Uma esperança!

— Com manual?

— Não.

Danação.

— Você não tem nada para ler? Na bolsa, sei lá.

— Bem... Tem uma carta da mamãe.

— Manda!
Luís Fernando Veríssimo, "Banquete com os deuses"

Nenhum comentário:

Postar um comentário