Encontrava-se na sua cozinha um daqueles famosos cozinheiros, chamado Fabrac, quando se apresentou ali, com uma empada na mão, um mendigo sarraceno, que nem de longe tinha dinheiro para pagar o preço de um daqueles pratos famosos. O mendigo segurou a empada sobre a panela em que estava sendo preparado um guisado, e ela foi sendo impregnada pelo cheiroso vapor que dela se desprendia. Depois que a sentiu bem no ponto, retirou-a e se deliciou com o resultado do seu expediente culinário.
Fabrac não gostou daquilo. Não achava correto o procedimento do mendigo, e o intimou:
— Agora você tem de me pagar o que pegou da minha cozinha.
— Da sua cozinha eu não peguei nada. Só usei um pouco do seu vapor.
— Que seja! Você tem de me pagar então o vapor que pegou.
Tanto discutiram, tanto se encresparam, e tal escândalo moveram por causa da estranha reclamação, que a coisa chegou aos ouvidos do sultão. Como o assunto era muito original, o sultão não quis resolvê-lo antes de conhecer a opinião dos dois contendores. Chamou-os à sua presença, e a questão foi planteada pelo cozinheiro nos termos mais enérgicos.
Os sábios da corte do sultão começaram a discutir, argumentar, distinguir e sutilizar, como só os orientais o sabem fazer. Um dizia que o vapor não era do cozinheiro, pois se tratava de coisa que o demandante não podia reter, e se dissipava na atmosfera, além de carecer de substância corpórea e não deter propriedades úteis. Portanto, o mendigo não estava obrigado a pagar.
Outros, pelo contrário, sustentavam que o vapor era uma propriedade inerente ao que estava sendo cozinhado, algo consubstancial com ele, produzido por ele e só atribuível a ele; e como o prato saboroso era um resultado da perícia do cozinheiro e do seu trabalho, sendo do seu trabalho que cada homem deve viver, era lógico que o demandante recebesse um pagamento pelo uso daquele resultado do seu trabalho.
Muitos foram os argumentos, as razões, as argúcias e até os sofismas que se esgrimiram na contenda. Mas nada superou a engenhosa solução dada pelo sultão.
— Senhores, quando o cozinheiro vende a alguém o prato que preparou, é justo que esse resultado material e tangível do seu trabalho seja pago com algo também material e tangível, que são as moedas. Tendo em vista que o vapor é a parte sutil e não tangível do prato que o cozinheiro preparou, deve também ser paga com algo imaterial e intangível.
Dirigindo-se então ao mendigo, perguntou:
— Tens aí algumas moedas?
— Sim, senhor, pois as pessoas me ajudam geralmente com moedas, ainda que de pouco valor.
— Então tome-as dentro de um saquinho, e agite-as bem.
Feito isso, o sultão despediu o demandante, dizendo-lhe:
— Considere-se pago, e muito adequadamente, pois o tinir das moedas é a parte imaterial e intangível delas.
Novellino
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