Foi uma surpresa que chegou com a brisa do outono. Será que é isso mesmo que eu estou vendo, eu fui pensando cá com meus botões, cá com meus cacófatos, enquanto me aproximava do letreiro da loja na Visconde de Pirajá.
A mãe do Paulo Gustavo, a mãe do Leonardo Aversa e também a minha saudosa progenitora, o leve sotaque português trazido dos antepassados, todas se juntaram em uníssono na minha cabeça para ronronar a interrogação preferida delas, o deliciosamente preocupado clichê sobre os rumos da Humanidade – o “aonde nós vamos parar com essa pouca vergonha?”.
Eu venho de um sonho feliz de cidade, quando as lojas procuravam para as fachadas nomes exaltativos, que puxassem para cima a classe de seus produtos. Chamavam-se orgulhosamente de “Imperatriz das Sedas”, “Rei da Voz” ou até mesmo, o mínimo que se permitiam, “Príncipe”, a que “veste hoje o homem de amanhã”. Mas isso faz tanto tempo. Estão todas fechadas e eu também não estou me sentindo muito bem.
Quando passei pela nova loja do bairro ela ainda estava em obras. Era só uma palavra no alto da fachada, uma daquelas que ontem não se pronunciava na frente das visitas e que agora estava lá, aos gritos, sem classificação etária, pairando desavergonhada sobre a imaginação do bairro.
Pensei de início que fosse um clube de swing, talvez uma sex shop. Quem sabe até uma boate moderninha, ao gosto desse novo reality show do Globoplay, “Túnel do Amor”, que estreou no fim de semana. Os jovens se apresentam uns aos outros não mais com o duplo beijinho nas faces, mas com línguas boca a dentro do próximo que acabou de conhecer. É um “oi” sem distinção de sexo, sem distinção de raça, muito menos distinção de número, porque às vezes reúne até quatro línguas no mesmo cumprimento.
Sabe-se agora que La Putaria, o novo endereço comercial de Ipanema, não é nada disso, mas uma loja de doces com formatos de genitálias desnudas. O bairro dividiu. Há quem concorde com as mães do terceiro parágrafo, a pouca vergonha campeia, o que será de nossas crianças? – e pede à prefeitura a proibição do letreiro, “um atentado contra os pudores da família”. Outros argumentam que, desde o século passado, no primeiro “pentelho” dito pelo Faustão num domingo à tarde, não há mais o que fazer. As palavras estão soltas.
O Rio de Janeiro perdeu o bom senso das convivências, e os mais cínicos apontam o nome da loja como a síntese do que nos vai pelo cotidiano. Na semana passada a cidade precisou de um decreto para as pessoas deixarem de aumentar os decibéis de suas caixas de som na orelha do vizinho da praia. Foi pouco. Nas ruas internas, madames em scooters elétricas de milhares de reais e entregadores em bicicletas caindo aos pedaços, todos desprezam a mais banal das ordens urbanas e atropelam pedestres na civilização das calçadas.
Não vou gastar meu palavreado à toa, em considerações sobre a polêmica do sexo servido doce nos balcões de Ipanema. Os rapapés da crônica são desnecessários quando o tamanho dos fatos está logo ali na esquina e, curto e grosso, denuncia mais um drama dos tempos. Fecharam a livraria, abriram La Putaria.
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