quinta-feira, maio 12

O gênio e Shakespeare

Considerava-se um gênio incomparável, inexcedível, único. Sua convicção só se abalava quando lia Shakespeare. Parou de lê-lo.

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Quando resolveu iniciar-se na poesia, tinha como únicas recomendações a vocação polonesa para o sofrimento e uma tristeza persistente que ele, menino, descobriu depois chamar-se melancolia.

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Minha vida tem sido escrever. Escrevo para me revelar, escrevo para me ocultar, escrevo para ser.

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Um soneto costuma ser execrado, abominado, ridicularizado e, às vezes, até lido.

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Placa na casa de um poeta parnasiano: temos vagas para cisnes.

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Não escrevemos Romeu e Julieta. Mas Shakespeare escreveu o que escrevemos nós?

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Nos quatro anos de mandato do poeta concretista na prefeitura, não houve um dia sequer em que houvesse brotado no céu do município um arco-íris.

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Quando menino, sonhava com mulheres fatais que o aprisionavam e o submetiam a um regime de pão, água e amor.

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Fatos são fatos: para acabar com os ratos, acabe com a ração dos gatos.

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O amor continua sendo um assunto para o qual as portas e as janelas dos poetas devem estar irreversivelmente abertas.

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Assim que o gato, no fim do parágrafo, começou a atravessar a rua, três adjetivos, conhecendo o estilo dramático do escritor, colocaram-se de prontidão: atropelado, ferido, morto

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Se Deus, na época da Criação, contasse com um consultor futebolístico, não teria exagerado tanto no verde.

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Diante da magnificência do caixão, das velas e das flores, um primo do morto, um tantinho enciumado, comentou: é muito velório para pouco defunto.
Raul Drewnick

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