domingo, maio 29

Ser feliz é nosso maior desafio hoje

Comecei a semana decidida a ser feliz. Maio está no fim, é urgente absorver essa luz e os dias frescos. No domingo, levei os netos ao Pão de Açúcar. Ou foram eles que me levaram e esse é um dos méritos das crianças. Elas nos fazem repetir experiências antigas com olhos novos. Nunca tinham andado no bondinho. Ficaram deslumbrados com o passeio e a vista de montanhas e águas, a infinidade de barcos que pareciam de brinquedo, os alpinistas. O Rio de Janeiro visto de cima no outono é uma overdose de beleza. A Praia Vermelha estava em festa. Nina e Tom caminhavam dançando. 

Continuei segunda adentro determinada a evitar tudo que pudesse me deprimir. Um detox de uma semana, pensei, será um exercício de sã inconsciência. Isso significa não ler absolutamente nada sobre o atual ocupante do Palácio do Planalto. Fugir de militantes fanáticos de qualquer partido, todos chatos e agressivos. Esquecer os arrogantes que presidem a Câmara e o Senado. Ignorar quem governa o Estado do Rio. Não ler comentários nas redes. Ler romances. Caminhar na praia às 7hs da manhã, sem celular, evitando tropeçar na miséria adormecida sob as marquises. Assistir a séries e não telejornais. Fechar olhos e ouvidos à maldade de madrastas e à covardia de feminicidas. Convenhamos, a alienação exige um esforço.

Meu projeto foi atropelado na terça. Por dois massacres. Um no Texas e outro no Rio de Janeiro. Numa escola e numa favela. Um foi obra de um desequilibrado de 18 anos. Outro foi obra de forças de segurança, pagas para nos proteger e não para promover chacinas. As duas sociedades, a americana e a brasileira, cultuam o acesso indiscriminado às armas de grosso calibre. A diferença é que, nos Estados Unidos, o presidente critica o lobby armamentista – embora se considere impotente porque os estados são soberanos. No Brasil, o presidente quer mais armas para todos. Seu sonho é transformar nosso país num grande Texas. Como eu queria ser feliz nesta semana, não vi os corpos sendo recolhidos, não acompanhei funerais lá e cá.

Conversei com alguns psicanalistas. Diante da angústia vomitada nos consultórios com o autoritarismo, a desigualdade social extrema, a fome, o aquecimento global, as epidemias, as guerras, eles aconselham aos cidadãos comuns: cuide honestamente de sua vida e sua família porque não está a seu alcance evitar as catástrofes. Não seja presunçoso achando que se indignar adiantará alguma coisa. O planeta está tóxico. Aja em casa, na rua e no trabalho com ética e responsabilidade. Mas não dê murro em ponta de faca nem se vicie em tragédias. 

“Como autodefesa, para não sofrer e não ficar refém do medo, as pessoas isolam a violência num escaninho tipo ‘não quero ver isso’, ‘não é comigo’. É uma forma nova de anomia”, me disse o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches. “Isso é agravado por uma sociedade cada vez mais fragmentada, na qual a vida está ficando tão penosa, com tanto desemprego, inflação, barbárie que a maioria se torna individualista, tipo cada um por si. E perdemos a capacidade de indignação e reação coletivas. Naturalizamos o anormal. Até que as mentes saturadas de espanto rompam a inércia e provoquem uma onda avassaladora de rejeição desse estado de coisas e vire a sociedade de ponta-cabeça”.

É possível ser feliz desistindo de brigar por um mundo melhor e mais justo? Talvez por uma semana. Escuto Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. 

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