terça-feira, maio 31

Serafim

Tinha feito uma viagem. Conhecera a Europa “pacífica” de 1912. Uma sincera amizade pela ralé notívaga da butte Montmartre, me confirmava na tendência carraspanal com que aqui, nos bars, a minha atrapalhada situação econômica protestava contra a sociedade feudal que pressentia. Enfim, eu tinha passado por Londres, de barba, sem perceber Karl Marx.

Dois palhaços da burguesia, um paranaense, outro internacional “le pirate du lac Leman” me fizeram perder tempo: Emílio de Menezes e Blaise Cendrars. Fui com eles um palhaço de classe. Acoroçoado por expectativas, aplausos e quireras capitalistas, o meu ser literário atolou diversas vezes na trincheira social reacionária. Logicamente tinha que ficar católico. A graça ilumina sempre os espólios fartos. Mas quando já estava ajoelhado (com Jean Cocteau!) ante a Virgem Maria e prestando atenção na Idade Média de São Tomás, um padre e um arcebispo me bateram a carteira herdada, num meio dia policiado da São Paulo afarista.

Segurei-os a tempo pela batina. Mas humanamente descri. Dom Leme logo chamara para seu secretário particular, a pivete principal da bandalheira.

Continuei na burguesia, de que mais que aliado, fui índice cretino, sentimental e poético. Ditei a moda Vieira para o Brasil Colonial no esperma aventureiro de um triestino, proletário de rei, alfaiate de Dom João 6º.

Do meu fundamental anarquismo jorrava sempre uma fonte sadia, o sarcasmo. Servi a burguesia sem nela crer. Como o cortesão explorado cortava as roupas ridículas do Regente.
 Oswald de Andrade, "Serafim Ponte Grande"

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